segunda-feira, outubro 30, 2006

Banho

Hoje sinto a brisa e a lua crescente. Maior do que toda a gente. Mais incorpada e inconsistente do que o próprio coração ardente. Voraz e renitente. Sinto o ar quase frio e a clara vontade de ser latente... é assim que tudo se compreende... não sei mais o que dizer... o que? é como o chuveiro calmo e quente do banheiro ausente... a vontade presente aonde nem se atende... e a curiosidade de morder o mundo... maior e resistente...

domingo, outubro 29, 2006

Amizade... por Mário de Andrade...

" A faculdade que mais enobrece o homem, que o diviniza é a constância no perdão de que deve ser feita a amizade. Constância no perdão que carece não confundir com indiferença pela falta. Toda camaradagem é feita de traições pequenas, a mais frequente e cotidiana das tais sendo a observação do companheiro e a recreação crítica em nós dos movimentos psicológicos que o fazem imaginar e agir. Só quando nós criticamos pro outro esses movimentos e os perdoamos em nós, não é companheiragem, é amizade" (O Turista Aprendiz - Mário de Andrade)

terça-feira, outubro 24, 2006

Cartola...

Alegria,
Era o que faltava em mim,
Uma esperança vaga,
Eu já encontrei,
Pelos carinhos que me faz,
Me deixa em paz,
Não te quero ver,
Para nunca mais.

Eu sei,
Que teus beijos e abraços,
Tudo isso não passa,
De pura hipocrisia,
Já que tu não és sincera,
Eu vou te abandonar,
Um dia.

domingo, outubro 22, 2006

Ao momento presente...

Sai. Andei e ainda não vi. Só encontrei a vida perdida no vento assim que o senti. Sei que isso é pouco para alguém que como eu espera o porvir. Espero, como e me adentro. Quem sabe assim a magia se econtra com o tempo e faz tudo acontecer agora. Ao mesmo momento.

terça-feira, outubro 17, 2006

Diário

Primeira Página

Esta é a primeira página do meu diário. Parece até coisa de adolescente. Mas não é. É uma tentativa de escrever aquilo que eu ainda nem consigo imaginar. É o primeiro dia da minha consciente incompreensão. Exatamente neste momento percebo que não sei muito bem de que forma eu amo. Não sei se amo no outro o que reconheço em mim ou exatamente o contrário... se amo no outro o que não é meu, o que eu nunca serei, as coisas que eu nunca direi. Às vezes, me parece que o amor verdadeiramente não existe. Não da forma como eu o idealizei, não do jeito que eu sonhei. Sinto-me confusa e um pouco louca. Tenho medo mas suspiro lentamente e depois relaxo. Lembro que o mais louco é sempre aquele que finge não ter nenhum desses pensamentos estranhos. E me sinto normal. Estranhamente normal.

Tento lembrar da minha infância. As miragens são poucas. E muitas. Um vulto que me tira da brincadeira inocente de sentar na bola – ganha dias antes no parque de diversão – bem ao lado da mesa de jantar. Do quarto escuro que à noite parecia encolher e onde eu ensaiava uma “briga de testa” com a parede chamuscada que me deixou com calos depois dos treinamentos noturnos. Da hepatite, dos suspiros e dos desenhos animados entremeados com a alfabetização caseira. Da gruta cálida e calma do colégio de freiras. Do quintal da casa grande, dos livros e do jabuti que eu insistia em achar que era um cavalo. Da sensação de aconchego, de proteção e do medo do abandono. Das férias na praia, dos sorvetes e dos castelos de areia. Da onda que os destruía. Do sol que me manchava. Da vida que sem eu nem perceber passava, rápida, louca e calada.

Agora chega. Amanhã escrevo mais.

Tchau. Durma bem diário.

segunda-feira, outubro 16, 2006

Palavras Soltas...

Mudei a cama. Troquei o lado. O travesseiro continua alado. O corpo cansado cochila e ainda nem sabe o que o tira. Os olhos abrem e nada vêem. Será o medo ou simplesmente o desdém? Estou cansada do meu olhar... fecho os olhos, ponho a mão por cima, exatamente quando vejo um filme de terror... milimetricamente calculado como numa dor. A luz entra pela fresta. É quase uma festa. Os ouvidos, cada vez mais sensíveis, ouvem tudo o que aconteceu lá fora. O cão que late, o carro que buzina, a vida que espuma e nem assim me abandona sozinha. Quero dormir... esquecer que o amanhã vem sem nem mesmo eu pedir, entregar para a noite a minha alma e o meu sorrir, fingir que não tenho medo de nem mesmo existir... ser apenas ilusão... da minha mão, do meu corpo e da minha inestimável e apagada solidão... pois se eu mesmo sumir, posso simplesmente fingir que nada vi... que nem sei quem você é e o que faz por aqui... posso fechar os olhos e imaginar que desisti do não sentir... porque o não ver e o ver tudo sempre é quase o mesmo arrependimento, de não saber trocar o olhar quando o chão e o mansidão não são mais os mesmos... dormir, sentir o frenesi... te esquecer de mim e nem lembrar de ti... é assim que sou, assim que desejo ser no futuro e assim que te vejo no beijo... confusa, inexistente e latente... me larga, me abraça e se rende... me encravo, me lavo e te enredo... calados para sempre... inconsistentes... frágeis... quase... quase inexistentes...

quarta-feira, outubro 11, 2006

Infinito...


Queria escrever uma carta para o infinito. Gostaria de te dizer o quanto tudo o que temos é bonito. Desejo ainda um dia ver o quanto cresce a vida sem rito. Mas a minha cabeça dói. Dor profunda de desabar o mundo num fechar de olhos. Cansei de esperar também um desabamento. Agora só quero encontrar quem comigo pode estar sem lamento. Na dor profunda de olhar o outro... Eu finalmente me rendo. Ao infinito, ao lampejo bonito do que foi um dia o nosso grito. Da minha vontade de deitar a cabeça num colo que me agüente. Do desejo latente de compartilhar a minha vida contente. Sem dor e sem corte. Só com um leve sorisso por entre o dente...

terça-feira, outubro 10, 2006

Brincadeira...


Ainda não aprendi a brincar de sentir. Sei que a leveza é primordial para que isso possa acontecer. Afinal, brincar com peso é como andar na montanha-russa sem medo. Meu sentir ainda é muito apegado à seriedade. Nos momentos em que tentei torná-lo mais brincante, acabei o deixando errante, sem definição e inconstante. No fundo, acredito que é a minha incapacidade de equilíbrio que causa essa necessidade inoperante. Transito sempre entre o tudo e o nada, como se o sossego fosse incapaz de encontrar parada no meio deste caminho sem encontrar morada.

domingo, outubro 08, 2006

Poesia... Parati novamente...

SOM DA ETERNIDADE

Ruas sinuosas,
Que me levam das pedras ao cais,
Enaltecendo a intempestiva maresia,
Que sopra sem cessar,
E invade quem dela pretende se distanciar...

Invasão sem direção,
Sem sim, nem não,
Sem razão ou contemplação,
Simples imprecisão,
Que traz do mar a sua mensagem,
E ao coração, a sua coragem.

Inerte paisagem,
A pintar com precisão,
O que mais assusta a vontade,
O medo de dizer a verdade,
E não ouvir como resposta nenhum eco ou cumplicidade,
Apenas o som do silêncio,
A entoar pacientemente a essência da eternidade.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Cartas de Caio Fernando Abreu...

"... Foi mau, ontem. Fui mau, também. Menos com você, mais comigo mesmo. Depois não consegui dormir. Me bati pela casa até quase oito da manhã. Teria telefonado para você, não fosse tão inconveniente... Não era nada com você. Ou quase nada. Estou tão desintegrado. Atravessei o resto da noite encarando minha desintegração. Joguei sobre você tantos medos, tanta coisa travada, tanto medo de rejeição, tanta dor. Difícil explicar. Muitas coisas duras por dentro. Farpas. Uma pressa, uma urgência.
E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Porque o zen de repente escapa e se transforma em sem ? Sem que eu consiga controlar.
... Dormi uma três horas e acordei ouvindo Quereres, de Caetano. Repeti, várias vezes, cada vez mais alto. Ah, bruta-flor, bruta-flor do querer. Discutia tanto com Ana Cristina César, antes que ela acolhese a morte (acerdatamente? me pergunto até hoje, nunca sei responder): nossa necessidade fresca e neurótica de elaborar sofrimentos e rejeições e amarguras e pequenos melodramas cotidianos para depois sentar Atormentado e Solitário para escrever Belos Textos Literários.
O escritor é uma das criaturas mais neuróticas que existem: ele não sabe viver ao vivo, ele vive atarvés de reflexos, espelhos, imagens, palavras. O não-real, o não-palpável... O que tem me mantido vivo hoje é a ilusão ou a esperança dessa coisa, "esse lugar confuso", o Amor um dia. E de repente, te proíbem isso... Nem vivi nada ainda. E não sou sequer promíscuo. Dum romantismo que exige sexualidade e amor juntos. Nunca consegui. Uns vislumbres, visões de esplendor. Me pergunto se até a morte - será? Será amor essa carência e essa procura de amor, nunca encontrar a coisa?
Das minhas heterossexualidades, dois filhos mortos, não ficou nada. Das minhas homossexualidades, esse pânico lento e uma solidão medonha. A hora é tão grave.
Vim pegar energia. Sim. Preciso ver a terra, preciso do horizonte do pampa. Já começa a agir, meus ombros se soltaram. Olhei no espelho e aquela ruga entre as sobrancelhas se desfez. Não quero me tornar uma pessoa amarga, pesada, frustada. Não vou me tornar assim. Então vacilo, escorrego e a mania de perfeição virginiana e a estética libriana no dia seguinte me dizem "que vergonha, que vergonha, que vergonha".
... Quando te falo da idade, quando te falo do tempo - e não tivemos tempo - queria te falar de Cronos, Saturno, da volta pelo Zodíaco quando se completa 30 anos. A tua estrela é muito clara, tem sinais bons na tua testa. Compreendo teu Plutão e a Lua encarcerados na Casa XII - as emoções e as paixões aprisionadas -, e também Urano, todo o impulso bloqueado. Na mesma casa, a do Karma, a dos espíritos que mais sofrem, tenho também o Sol, Mercúrio e Netuno. Somos muito parecidos, de jeitos totalmente diferentes: somos espantosamente parecidos. E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim - para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura. Perdoe a minha precariedade e as minhas tentativas inábeis, desajeitadas, de segurar a maçã no escuro. Me queira bem... "(Cartas - Caio Fernando Abreu - Ed. Aeroplano)