quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Abraço

Sinto o que é fora de tamanho
Grande se visto por dentro
Pequeno se visto por fora
Do tamanho exato da demora

Paciência que não retorna
A água do banho
Sempre morna
O sabão duro
Sem vontade de ser espuma
Nem a reforma

Ainda olho os pés
Sangram e sangram
Não trazem nem desfazem
A leveza do seu tamanho

As mãos também me desagradam
Fingem serem pequenas
Mas são do tamanho
Da minha guarda

Pés e mãos
Atados
Coração sem traço
Pele com pavio
Tudo culmina
No abraço

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Paz...

Fiz as pazes com o carnaval que habita em mim. Isso mesmo. Há muito eu não me divertia tanto no feriado profano. Perceber a alegria inata que salta das veias ao ver uma multidão feliz e grata pela música, pela beleza, pelas cores, pela leveza. Nada de desânimo... Tristeza, só um pouco, pois uma boa e bonita tristeza combina em muito com o carnaval. Aquela tristeza de amor partido, de saudade cheia de lembranças, do olhar da criança perdido nas gentes em massa. Tristeza meio travestida de memória. Presente a cada momento em que a alegria da música ensaia a verdadeira energia da dança. Sentimento de deixar de ser um corpo e se misturar a tudo e todos que estão em volta. Por isso o carnaval é profano... é quando a gente deixa de ser só a gente e é um pouquinho os outros... desconhecidos, alegres, tristes... pela metade ... gratos e cheio de cheiros... felizes, felizes... quase inteiros...

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

"O grande e o pequeno" por Adriana Falcão...

" Todo caso de amor tem sempre um grande e um pequeno.
Alguém um dia falou, em francês, que em todo caso de amor il y a toujours celui qui ame et celui se laisse aimer. É mais ou menos a mesma coisa. O pequeno ama, o grande se deixa amar. O grande fala, o pequeno ouve. O grande discorda, o pequeno concorda. O pequeno teme, o grande ameaça. O grande se atrasa, o pequeno se antecipa. O grande pede, ou nem precisa pedir, e o pequeno já está fazendo.
Não é uma questão de gênero. Existem homens pequenos e homens grandes, mulheres grandes e mulheres pequenas. O temperamento e as circunstâncias influem, mas não determinam. O grande pode ser o mais bem sucedido dos dois ou não. O pequeno pode ser o mais sensível, mas nem sempre é assim. Muitas vezes o grande é o mais esperto, mas existem pequenos espertíssimos. Depende do caso.
Como ninguém descobriu, até hoje, alguma regra que permita determinar qual é o grande e qual é o pequeno, só observando o casal mais atentamente.
Na rua, o que anda distraído quase sempre é o grande. Quase sempre no cinema, o grande decide comprar pipoca depois que os dois já estão acomodados nas poltronas. O pequeno, então, fica esperando vigiando, tomando conta para o filme não começar antes de o grande voltar, o que, por algum motivo, seria uma tragédia.
Numa festa, o pequeno deve estar ansioso para que a noite seja boa, principalmente se foi ele que sugeriu o programa. O grande se comportará de maneira indiferente até se deixar embriagar pela música, pela bebida ou pelo ambiente, quando então ficará muito mais animado do que o pequeno. Mesmo que o pequeno dance bem, o grande sempre dançará melhor. O pequeno evita o silêncio porque tem certeza de que a culpa é dele, por isso sempre tem arquivados na cabeça assuntos que possam ser utéis em todas as ocasiões. A calça nova do pequeno dificilmente lhe cai tão bem quanto a do grande, assim como o cabelo do grande está sempre melhor do que o pequeno, ainda que a festa inteira pense exatamente o contrário. O pequeno geralmente se comove com a Lua calado, enquanto o grande aponta, olha só a Lua. No final da festa é sempre o pequeno que quer ir embora, reservando o melhor da sua alegria para o resto da noite, enquanto o grande se despede dos amigos displicentemente.
Mais tarde, o pequeno é macho, é gueixa, é desgraçado, é exclusivo e, se o coração do grande por acaso ouvir os seus gritos, que sorte. No dia seguinte o pequeno estará inevitavelmente preocupado: será que eu fiz tudoc erto? Acho que eu não devia ter dito aquilo. Porque toda vez sou eu que beijo primeiro? Na dúvida, vai correndo procurar o grande, apesar de ter se prometido que nunca mais faria isso.
O grande e o pequeno podem ser de qualquer espécie, inclusive bichos, com exceção dos gatos, que são todos grandes.
Não necessariamente formam um casal. Não é só nas histórias de amor que existem grandes e pequenos. Havendo mais de um, um par qualquer, dois adversários, dois irmãos, dois amigos, sempre haverá o que quer mais e o que quer menos, o fascinante e o fascinado, o generoso e o pedinte.
Mas como tudo pode acontecer, senão nada disso ia ter graça, a qualquer momento, por alguma razão, geralmente à noite, imprevisivelmente, o grande pode ficar pequeno, e o pequeno ficar grande de repente. Basta um vacilo, um acaso, um cair de tarde, um olhar mais assim, um furacão, uma inspiração, uma imprudência.
Quando isso acontece, é comum o pequeno ficar maior ainda, o que o torna automaticamente o grande ainda menor. O ex-pequeno, logo que é promovido a grande, pode se vingar do ex-grande, se o seu sofrimento tiver boa memória. Aí, coitado do novo pequeno, vai se arrepender de cada não beijo, cada não telefonema, cada não noite de insônia, cada não desespero, cada não entusiasmo, cada não carinho inesperado, indispensável, inevitável, imprescindível, cada não todas as palavras apaixonadas em qualquer língua do mundo. Ele vai se surpreender com a reviravolta, no começo, mas vai se conformar com sua nova condição de pequeno em seguida. E então, vai seguir, cuidadoso e desastrado, na quase inútil intenção de conquistar o grande urgentemente. " (O doido da garrafa, Adriana Falcão)

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Linguage dos Óio por Patativa do Assaré

"É engraçado como os nossos olhos falam. Os olhos falam, não é? É justamente, e eu sei ver as coisas. Aí eu digo aí nesses meus versos. Agora, no fim, tem uma coisa engraçada.

Linguage dos Óio

Quem repara o corpo humano
e com coidado nalisa
vê que o Autô Soberano
lhe deu tudo o que precisa
os orgo que a gente tem
tudo serve munto bem
mas ninguém pode negá
que o Autô da Criação
fez com maió prefeição
os orgo visioná.

(...) Os óio consigo tem
incomparave segredo
tem o oiá querendo bem
e o óia sentindo medo
a pessoa apaixonada
não precisa dizê nada
não precisa utilizá
a língua que tem na boca
o óia de uma caboca
diz quando qué namorá.

(...) Mesmo sem nada falá
mesmo assim calado e mudo
os orgo visioná
sabe dá siná de tudo
quando fica o namorado
pela moça desprezado
não precisa conversá
logo ele tá entendendo
os óio dela dizendo
viva lá que eu vivo cá.

(...) Nem mesmo os grande oculista
os dotô que munto estuda
os mais maió cientista
conhece a linguage muda
dos orgo visioná
e os mais ruim de decifrá
de todos que eu tô falando
é quando o óia é zanôio
ninguém sabe cada ôio
pra onde tá reparando."

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Asas Caídas

Primeiro um topor
Quase um terror
Sentir o pé pousar no chão
E as mãos no teu temor.

Sair de dentro de mim,
Deixar o corpo
Ficar só com as asas
Ir longe,
Sem retorno.

No branco e preto
Nada fica colorido
Até o branco das asas
Parece inexistente
Quase diluído

Perceber no sorisso
Encarar o que preciso
Deixar as asas caírem
Para ser mais leve
Sem o escuro,
Só com o seu riso.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Sinta perto de você...

Olhe para o lado. Ou melhor, feche os olhos e vire a cabeça. Primeiro para a direita, depois para a esquerda. Tire da sua vida aquilo que a enlouquece. Assim como em uma cirurgia precisa. Olhe para dentro de você e reconheça o que te dá medo. Sempre temos medo daquilo que nos devora. Ou que simplesmente demora. Deixe de chorar. Tire os olhos do que não lhe pertence. Deixe o futuro para o depois. Não se preocupe agora. Apenas sinta. Sinta perto de você... Abra o peito em desalinho e persiga o que te deixa em riso. Fuja da sua tristeza. Dê outro endereço. Deixe ela bater em portas erradas antes de entrar no teu coração. Dê asas ao teu desejo. Voe alto. Toque as nuvens e o sol. Sinta teu corpo se desfazendo em um som. Claro e forte como um mero tom.