domingo, abril 16, 2006

como nem só de poesia é feita a vida... instântaneos sobre o documentário do mv bill e seu desenrolar na mídia

Não gosto de assistir o Fantástico. Talvez porque o seu nome não me pareça nada com o seu conteúdo. Talvez até porque pareça demais. Poderia dizer que é por razões exclusivamente ideológicas. Mas não estaria sendo totalmente sincera pois consumo outros produtos da mídia global. É verdade que sem muito entusiasmo. Mas ao menos vejo. Com o Fantástico nem isso.

Penso que a minha maior cisma com o programa seja exatamente o fato dele me lembrar de forma implacável a depressão dominical. Aquela musiquinha (nem sei se continua a mesma) povoa a minha memória como o aviso inexorável do fim do final de semana. Repetitivo e banal assim. Falo isso para explicar porque não vi o documentário do MV Bill quando ele passou neste programa. Filme que trata da relação de jovens - procedentes de periferias de todo o país - com o trabalho no mundo do tráfico de drogas. Dezesseis jovens. Hoje apenas um continua vivo. E preso.

Me interesso pelo assunto. Às vezes até me assusto por pensar que pode ser um interesse mórbido. Olhando bem, percebo que este interesse provém da minha necessidade de minimante compreender uma realidade que além de não conhecer propriamente não controlo e apenas sinto que me engole. É certo que não me engole fisicamente como o faz como outras pessoas, como os jovens mostrados no documentário, mas engole a minha crença e muitas vezes chega até a abalar a minha fé.

Acabei vendo parte do documentário ao ser surpreendida pela sua reapresentação numa terça à noite. Fui para a cama e não conseguia dormir. Resolvi ligar a televisão. Na verdade estava à procura de algo leve que pudesse me ajudar a embalar o sono. Mas acabei me deparando com o Falcão (nome do documentário). Peguei no meio. Do que eu vi, dois momentos me marcaram e me fizeram refletir. O primeiro foi quando um dos jovens dá o prazo para "mudar" de vida - leia-se sair do tráfico e procurar um emprego "direito". Seria ao completar dezoito anos. Percebo que a sua fala têm duas nuances interessantes, ele fala da forma dele ganhar a vida quase como se fosse um vício, só que a segunda-feira do regime dele é a idade.
E por ser a idade detentora deste limite para a mudança, penso que ele também acredita como infelizmente o fazem muitas pessoas na nossa sociedade que os "de menor" não cumprem pena e não são responsabilizados pelos seus atos. Daí para ele ser importante operar a "mudança" quando passar a responder pelos seus atos como adulto. Ledo engano. Talvez ele desconheça que a "medida" dada ao adolescente é na prática muito mais cruel do que a destinada aos adultos.

Outro momento do filme que me impactou for ver a brincadeira de meninos - aparentemente na idade de doze à quatroze anos - ao simularem a execução de um delator. O tom de realidade e a crueza das imagens quase iguais aos dos filmes que carregam o modo dogma de filmagem me mostrou o quanto o repertório do lúdico é feito com o que de real as crianças lidam no seu dia-a-dia. Do mesmo jeito que eles poderiam estar brincando de roda, lá estavam todos representando fatos que se porventura não presenciaram diretamente, já ouviram falar ou conhecem alguém que participou deles de alguma forma. O final desta cena é igualmente impactante. Por detrás da simulação ouvem-se tiros de verdade que segundo uma voz que aparece no filme diz ser de uma execução real que estava acontecendo simultaneamente àquela brincadeira.

Depois disso acompanhei as manifestações críticas sobre o documentário. Gostei muito do artigo escrito pelo Férrez. E também gostei do fato do livro ter sido lançado na Daslu. Incongruente não??? Acho que sim. Mas também acho que precisamos parar de querer ditar regras únicas. Ambos são representantes desta realidade. Importante o documentário ter passado no Fantástico. Certamente muitas pessoas que não conhecem esta realidade - e infelizmente são muitas no nosso país - provavelmente não veriam se o filme tivesse passado em outro programa ou outra rede de tv.

Muito interessante todas as críticas feitas pelo Férrez quando ele diz que a periferia não é só violência e tráfico. É também resistência, cultura, sarau e literatura. Me lembra até uma música que gosto muito do grupo Záfrica que diz que também dá para curtir na periferia.

Acredito que o ideal é que as pessoas que não viveram e não vivem esta realidade da periferia possam situar o seu campo de opinões filosóficas e acadêmicas no campo limitado que eles realmente pertencem. Como um olhar de fora. Que não é nem melhor nem pior mas certamente diferente. Aceitar esta limitação é importante para que possamos parar de "falar em nome de" como se as pessoas não tivessem capacidade de fazerem as suas escolhas. Podemos até não concordar com elas mas reconhecer a autonomia de alguém de dar a sua própria opinião é o primeiro passo para quebrar a invisibilidade.

1 Comentários:

Anonymous Selito SD disse...

tati, minha linda...

vou comentar um dos dois momentos do filme que lhe marcaram, a saber: o do jovem que se dá um prazo para mudar de vida ao completar dezoito anos.

pois bem... como você destaca, ele equivocada e infelizmente, como muitos na nossa sociedade, crê que os "de menor" não cumprem pena e não são responsabilizados pelos seus atos. Não se dá conta da instituição da Pena de Morte que aí está há tempos para impedir que ele e outros meninos atinjam a maioridade.

Trata-se, de fato, de um ledo engano achar ele que só adultos são responsabilizados por seus atos. Não sabe que, no caso dos adolescentes dos segmentos sociais desfavorecidos, muitos são sentenciados à morte sem nem terem jamais pensado em desviar suas condutas!

bem... enqunto não logramos reverter tal estado de coisas...

durmamos, pois, com esse barulho!

5:15 PM  

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