segunda-feira, agosto 28, 2006

A Troca e a Tarefa...

Ganhei este livro de uma amiga - tão sensível- que me mostrou o conto que achou que tinha a ver comigo... nem preciso dizer que chorei de emoção... o conto é grande e se chama "A Troca e a Tarefa" da escritora Lygia Bojunga do livro "Tchau"...
"...Era um sonho muito bonito, todo acontecido em azul; tinha azul para qualquer gosto, do mais fraquinho ao mais forte. Eu estava lá mesmo, deitada na praia. E era de madrugada. Na minha frente tinha uma parede tapando o mar. Vi duas janelas na parede. Me levantei para ir olhar.
Numa estava escrito A TROCA; na outra, a TAREFA. Uma estava fechada; espiei pelo vidro fosco mas não enxerguei nada do outro lado. Bati no vidro, bati, bati com força. Mas só ouvi o barulho do mar.
Fui para outra janela. Também fechada. E o vidro também: não me deixando ver do outro lado. Bati.
- Que é?
Até me espantei de ouvir a voz perguntando.
- Abre - eu respondi - Eu quero ver do outro lado.
A janela continuou fechada. Mas a voz falou:
- Eu te livro desse amor, desse peso.
- O quê?
- Esse amor que você está sofrendo, essa vontade que você está sentindo de morrer: eu te livro disso.
- De que jeito?
- Quando a história estiver pronta você vai ver.
- História? que história?
A voz falou mais baixo:
- Escreve a história dessa dor e eu te livro dela. É uma troca: eu te prometo.
- O quê? Fala mais alto, eu quase que só escuto o mar.
- O mar. Lembra da poesia que você escreveu?
- Foi tão bom!
Aí a voz se confundiu com o barulho do mar. Eu acordei. A noite já ia virando dia; o céu era meio vermelho e a praia estava muito bonita. Dentro de mim tinha uma curiosidade nascendo: será que eu ia conseguir fazer uma história da dor que eu estava sentindo?
Voltei para o internato. Cada hora do recreio, cada domingo inteiro, cada hora-de-fazer-dever eu escrevia a história da minha vontade de morrer. E fui achando tão difícil de fazer, que, em vez de sentir vontade de morrer, eu só pensava como é que se fazia a história de uma vontade de morrer, em vez, de sentir a dor do amor, eu só sentia a força que eu fazia para contar a dor.
Então, quando um dia a história ficou pronta, a vontade de morrer tinha sumido; o amor pelo Omar também: no lugar deles agora só tinha a história deles. Fiz que nem na poesia: transformei o Omar no mar. Um mar tão bom de olhar. E inventei uma ilha pra botar nele: uma ilha para eu ir lá morar: de praia de areia fininha, onde o mar chegava a toda hora. E fui inventando uma porção de coisas pra acontecer na ilha. A história ficou tão grande. Acabou virando um livro. Foi o meu primeiro livro. Se chamou "Do outro lado da ilha" (...)
Os anos foram passando. E eu não parei mais de transformar: tinha me acostumado com aquilo. Levantava (levantava cedo), tomava café (com leite), escovava os dentes (já pensando o que que eu ia escrever), fechava a porta (não sei transformar de porta aberta) e começava: pegava a lembrança de uma maiga de infância que eu nunca mais tinha visto, imaginava a vida que ela tinha levado; virava ela num personagem principal; pegava o quarto de um hotel em que eu tinha ficado numa viagem e virava ele num capítulo; pegava a vontade que eu tinha tido aos 10 anos de ser astronauta e transformava ela numa viagem espacial em 200 páginas; pegava a saudade da minha mãe que tinha morrido (ela se chamava Violeta) e transformava a saudade num buquê que o herói do meu último livro ia dar para a namorada.
Fui me sentindo tão poderosa de poder transformar tudo assim!
Quando acabava um livro, mal descansava: já começava outro. Eu não queria mais descansar: eu só queria ficar assim: virando, escrevendo: aqui: na minha mesa de trabalho. Cada ano que passava eu ficava mais e mais horas aqui ..."

4 Comentários:

Blogger “Carpe diem quam minimum credula postero” disse...

Adorei o seu blog. Esse conto "A troca e a tarefa" também me emociona muito. Se puder, mande-o para mim e-mail alunasealunos@yahoo.com.br

Abraços
Francis

9:19 PM  
Anonymous Anônimo disse...

como é difícil achar esse conto na net!
se puder, me mande, por favor!
enzopotel@yahoo.com.br

obrigadão!!!
Enzo

5:28 PM  
Anonymous Anônimo disse...

eu tbm gostei muito, see você puder me mandar tbm esse maravilhoso conto serei muito grato a você...Beijão

e-mail: carlos1993@radiomarthug.com

9:35 AM  
Anonymous Anônimo disse...

ooi! , os livros de Lygia Bojunga são incriveis , e mesmo assim , o que eu mais gostei foi o "Tchau" , me indentifiquei com o conto "A troca ea tarefa" também , é muito lindo (:

11:41 AM  

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