sexta-feira, setembro 01, 2006

Paratii... Amyr Klink

Este livro estava na minha estante há bastante tempo e quando finalmente o li percebi quanto tempo havia perdido... é exatamente por falar tão bem dessas coisas ... tempo, solidão e amizade ... que me impactou tanto...

"... Sob todos os aspectos a minha residência vermelha era um lugar agradável. Havia privações, é claro. Morria de saudades da bagunça de casa, dos amigos malucos, da árvores que plantei nos lugares mais mirabolantes, das viagens que sempre fazia - mas não estava, de modo algum, sofrendo. De malucos menos amigos estava a uma prudente distância, viagens não faltariam até chegar em casa, e árvores, bom, era uma questão de latitude e paciência apenas.

Pilotava o tempo todo em alta velocidade, na direção que havia marcado, deliciosamente, sem poder detê-lo ou voltar atrás. Lembrei-se da carta do Hélio Setti, que tantas vezes li e tão importante foi durante a travessia para cá. Miseravelmente ela desaparecera meses antes, provavelmente enfiada em algum livro ou canto "para não perder".

Ela falava sobre o tempoi. Não. Não parei no tempo como pensei que faria quando o Paratii ficou imobilizado no gelo. Não me tornei escravo, nem senhor, do tempo como pensava o Hélio. Mas descobri que podia conduzir o meu tempo, somar todos os instantes numa única direção. Transformar os meses e os segundos que faltavam em distância, em um lugar para se chegar. Os poucos dias em que deixei à deriva o tempo, quando não sabia com certeza o que faria além de partir, foram dias lentos de calmaria, de clima terrível, de péssimo humor. Não e não. Mil vezes a perspectiva de enfrentar a pior tempestade do que as mornas calmarias sem rumo, sem ir a lugar nenhum.

Foram esses, é gozado, os únicos dias em que me senti só. Quando deixei os planos à deriva e permiti que as coisas acontecessem sem sabe delas, onde iriam parar.

Agora era muito diferente. Mesmo que fosse num cemitério, eu sabia onde as coisas iriam parar se me distraísse, cometesse erros ou deixasse o barco à deriva. Sabia que o sol retornaria, que um dia o gelo se partiria em pedaços e eu então poderia seguir.

O inverno, a vida isolada pelo gelo não eram permanentes. Eu não havia sido abandonado na baía Dorian. Não estava fugindo de nada, nem tentando provar meus conhecimentos ou capacidade, ou negando a sociedade de consumo. Não estava tentando me conhecer ou superar os limites do homem, nada dessas bobagens. Apenas era o que mais desejava no mundo. Uma única vez, por um ano inteiro. Sozinho. Por quê? Não tenho a mais vaga idéia. Só sei que, embora ilhado, solidão não passei. Trazia próximos, como nunca, pessoas queridas e amigos, e a provisória distância que nos separava era apenas física. Uma distância real e emocionante que sabia muito bem como percorrer. Uma distância fácil de resolver. A verdadeira solidão, a distância interior, entre pessoas às vezes próximas, o abandono, a falta de um objetivo, de vontade, ou de apoio, depois de partir, nada disso conheci. (...)
Não poder dividir momentos especiais poderia ser um problema, mas há situações que se passam no mar que são para não serem divididas. Algumas tão belas e únicas que devem continuar inteiras por dentro de quem as vê e só assim se transmitem: inteiras. Outras difíceis, como medo e pânico, onde a soma entre pessoas pode não ajudar. Sozinho, por instantes apenas, vi coisas e vivi situações suja beleza indivisível, única, guardarei para sempre. Passei por encrencas que não desejo para amigo nenhum. E foi só - por esses breves instantes que dura um inverno -, que descobri como fazer o tempo correr para tornar próximos todos os lugares, e certas pessoas, por quem se morre de saudades..." (Paratii, entre dois pólos - Almyr Klink)

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