terça-feira, maio 02, 2006

Encontro

Andar sem destino. Sem me ocupar com pensamentos ou desatinos. Simplesmente andar. Movimentar as pernas rumo ao infinito como se assim pudesse chegar ao ponto inativo do meu desejo. Do meu sentido. Mas ao andar indefinidamente me veio o suspiro. Suspiro descontente de quem ainda não encontrou o seu indefinido estar sem tino. Foi aí que parei.

As pernas bambearam como se atrasadas a captar a minha vontade, os braços se ergueram como se tontos e inexpressivos pudessem dar o tom do medo, mas foi à boca, com seus dentes, saliva e língua que comandaram o show do corpo contra a mente. O grito.

Um grito forte, insuspeito como um corte. Entre o agudo e o aflito. Sem conseguir se definir, sem sorte. Assim, sozinho, o grito foi capaz de debelar a minha ironia.

Continuei a andar, mas sem a mesma teimosia. As pernas agora já não mais me obedeciam, eram autônomas, sozinhas, pequenas ladainhas do meu eterno murmurar intermitente. Os pés, que antes pareciam nem existir, também fizeram um ato de rebeldia, ensaiaram uma dança - o que me lembrou o tom rubro dos sapatos de um conto, perdido nas memórias da infância.

As mãos pareciam serem as únicas que junto comigo, tentavam lutar contra todo esse improviso. Movimentavam-se inquietas, como se a dar o comando para os braços, ombros e tronco da minha necessidade incompleta; da veracidade da entrega.

Foi uma luta árdua, nem sei quanto tempo durou. Mas foi o seu resultado que mais me marcou. Ninguém ganhou. O corpo foi vencido pelo cansaço e a minha vontade pelo acaso, quando vislumbrei fora do campo de batalha, a medalha que me chamava.

O seu rápido e imediato olhar, sem nenhum susto ou atraso, impassível, a completar os meus, sem nenhum enquadro possível. A partir daí, continuar a andar se tornou simplesmente um passo após o outro, sem euforia ou descaso, cumprir o destino que se anuncia de percorrer um pedaço para depois iniciar outra trilha, outra caminhada. Mais pura, mais vazia, repleta de flores perfumadas. Não estava mais mergulhada no confronto, mas no nosso simples encontro. Do vazio com o infinito, do estar só, mesmo quando tudo parece urgente e aflito. De dar de cara com outra ausência, cheia de perdas, quando tu ainda carregas as tuas próprias lendas, os teus próprios ritos.

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