sábado, agosto 05, 2006

Mais um conto... Trinta anos...

TRINTA ANOS

Tive a idéia de escrever esta história quando tinha 28 anos. Não sei porque me pareceu que a passagem da idade de 29 para 30 anos deveria ser algo mágico. No início, achei que poderia ser até um romance, mas o que geralmente acontece quando o assunto é escrever, sou traída pela minha própria inspiração e quando vi a história tinha terminado em algumas páginas.
Aceitei de bom grado, afinal, não sou mesmo eu que controlo estas coisas. Agora acho até divertido como nomeei os personagens, como se a torná-los um pouco como cada um de nós, sem identidade e essência definidas.
Relendo, percebo que ele é muito mais autobiográfico do que imaginava na época e que em nenhum momento as palavras levavam para o desfecho que surpreendentemente surgiu. Hoje com 31 anos - prestes a completar 32-, posso dizer que de alguma forma eu estava certa. Essa passagem é realmente mágica... acredito que para cada um de uma forma diferente, mas sem perder o frescor e a fantasia que habita os recomeços e seus tropeços...
Como ele é um pouco grande... vou publicá-lo em três partes... hoje vai a primeira...
1 - O REENCONTRO

A noite anterior havia sido no mínimo estranha, pensou. Até o momento não havia compreendido exatamente o que ocorrera. Desde muito, o fato de completar trinta anos era algo que o fascinava, mas nunca havia imaginado que aquilo pudesse acontecer. Quando fechou os olhos, só conseguiu vislumbrar imagens desconexas sem lógica alguma. Afinal, o que realmente acontecera? Fora um sonho ou um pesadelo? Ainda não sabia ao certo. A sua única certeza era que certamente o que ocorrera era único e ao mesmo tempo inexistente e isso era o que mais o intrigava.

Enquanto todos estes pensamentos o cercavam, começou a ouvir uma melodia distante, repetindo insistentemente um único trecho musical. No início aquilo não lhe chamou atenção, pois a música combinava naturalmente com o ambiente, mas depois da oitava ou décima repetição, teve um espasmo. Era a mesma música que o Outro havia tocado para ele na noite anterior, antes da descoberta. Num salto, Eu saiu da cama e abriu as janelas, como se a procurar de onde vinha aquele som. Depois de algum tempo desistiu da busca inútil. Caminhou até o banheiro e foi precisamente neste momento que se deparou com o Outro novamente, só que desta vez ele estava do outro lado do espelho. Imediatamente descobriu que a música que tanto o havia atormentado antes, vinha daquela imagem.

O esboço refletido era ao mesmo tempo estranho e familiar e por incrível que isto pudesse parecer, estas qualidades se misturavam tão perfeitamente que Eu chegou a ficar emocionado com o que viu. O tempo escarrado em um homem sem rosto. Um gesto sem futuro. Uma vida sem passado. Era uma estranha forma de pertencer ao vazio. Foi quando a melodia parou por completo que tudo começou.

E o tudo poderia ser entendido como o nada nos minutos que antecederam a real fantasia, quando subitamente a voz do Outro entrecortou o silêncio:

- Estava há muito querendo te conhecer e agora não sei muito bem o que achar... Na verdade, te esperava um pouco mais jovem, mais fresco... – e parou súbito como procurando a palavra certa e acabou resmungando – na verdade, te esperava mais feliz.

Eu tentou se recuperar do susto e parecer casual quando falou:

- Mais feliz? Se você é realmente quem disse que é, certamente sabe tudo a meu respeito e deve saber inclusive os motivos do meu estado de ânimo – e assim que terminou a frase, abriu a torneira e lavou o rosto, antes de fitar novamente a face do Outro no espelho. Porém, quando o fez, deu com o seu próprio reflexo, a sua própria cara, com aparência cansada e triste. Sim, conseguiu perceber a névoa por trás do seu olhar, a dor que o Outro prontamente reconheceu e resolveu concordar, certamente poderia ser mais feliz.

Mas afinal, o que era felicidade, senão uma ilusão, feita de momentos frágeis que quando menos se espera fogem, desaparecem, sem nem deixar rastros. Afinal, não é ela que sempre abandona seus hospedeiros- sem aviso, na calada da noite - bem quando ele começa a se acostumar com ela. Repentinamente, o deixa novamente humano. Não, pensou novamente, certamente estava melhor assim, talvez um pouco triste, mas real.

Neste momento, Eu passou a se recordar de tudo o que o Outro lhe havia dito: que eles eram a mesma pessoa, só haviam vivido a vida ao contrário, ou seja, enquanto um nascia o outro rejuvenescia e exatamente quando ele completou trinta anos – o que tinha acontecido na noite anterior – se iniciou um prazo para ambos voltassem a ser a mesma pessoa, senão um deles precisaria deixar de existir para o outro permanecer.

Apesar de despejar toda esta história maluca, o Outro não disse exatamente de que lugar da galáxia vinha, nem tampouco para onde ia, como também não lhe explicou exatamente como se dera o ocorrido, disse apenas o tempo que restava para ambos tentarem se acertar: um dia. Era esse espaço breve de tempo que restava para ambos coexistirem, depois disso seria o inimaginável.

O Outro não havia lhe contado detalhes de como seriam as coisas se eles não conseguissem. Será que uma parte de um influenciaria o outro? E quando ambos concordassem com uma opinião, será que as palavras que a expressariam sairão de qual boca? Era tudo muito estranho, pensou novamente Eu. Porém, apesar de toda a esquisitice, tudo isso havia dado um certo alento à sua solidão, afinal, não seria mais sozinho, teria alguém para lhe completar, nem que isso importasse em dividir o mesmo corpo, a mesma alma, o mesmo intelecto.

De repente, o Outro apareceu novamente, desta vez, não no espelho, mas no reflexo da sua imagem na janela e estranhamente lhe sorriu, um sorrisso leve, claro, quase maroto e que combinou perfeitamente com palavras que vieram a seguir:

- Está um pouco mais calmo? Você precisa se lembrar que não precisa ter vergonha de mim, afinal, eu sei exatamente o que você pensa, o que faz, do que tem medo, do que gosta... só precisamos ser mais equilibrados para conseguirmos nos unir até amanhã...
CONTINUA...

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial