quarta-feira, julho 26, 2006

Pequena crônica...

OS OLHOS NEGROS NA FOTOGRAFIA

Esta não era a primeira vez que via o registro daquele olhar. Disso tinha certeza. Só não podia precisar quando tempo fazia aquela primeira vez. Talvez uns dois ou três anos, talvez. Certo era que naquele momento não era só o registro que a impressionava, mas as próprias imagens, latentes, humanas como se a estampar no papel a magia da vida incandescente.

Já lera sobre o fotógrafo. Homem que nascido em terras distantes havia se apaixonado pela paisagem tropical. Nada de novo nisso, pensou. Mas o que era certamente novo era aquele olhar. O que mais chamava a sua atenção era perceber – em quase todas as fotos – um par de olhos perdido entre a multidão a confrontar a lente da máquina que os prendia. Olhos que desafiavam aquele olhar que os destinava à fotografia. Isso era realmente incrível.

Percorreu toda a exposição, mas foi quando estava quase acabando que se deparou com uma foto que tomou conta do seu corpo. Era uma foto de três ou quatro meninos, não saberia ao certo, mas um deles olhava para a câmera com um jeito que imediatamente ela o reconheceu. Não sabia de onde, nem porque, mas aquele olhar a tocou fundo e ela se viu movida a isto compreender. Marcou em um papel o nome da foto e saiu à sua procura.

Primeiro meio a esmo, foi atrás de toda a obra publicada do fotógrafo e não encontrou nenhuma referência daquela foto. Mas não desistiu. Continuou a procurar. Passaram-se anos quando ela finalmente compreendeu o que aquela foto lhe dizia.

Estava em visita à cidade natal de seu avô, interior de Minas. Ela nem o havia conhecido muito bem, mas já estava na fase de querer ter as suas raízes, bem quando a árvore da idade começa a crescer. Foi conhecer a cidade que só lembrava da jabuticabeira no quintal da casa antiga e quase desmaiou quando viu na praça, os mesmos olhos da fotografia. Mas não eram olhos vivos, isso ela sabia. Eram os olhos da lamparina de gás, por detrás da cortina, a emendar a luz do luar que naquele dia ensaiava sua nova sina. Luz de lua morta, a demonstrar sem nenhuma teimosia, o quanto o olhar no papel alucina, mas quase nunca corresponde ao fascínio da magia do olhar da natureza que a tudo encanta e alumia.

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Tati,

ADOREI esse teu texto !!! De que cidade vem o seu avô ?

Bj,

Angel

11:02 AM  

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