quinta-feira, julho 13, 2006

Como eu disse no começo desta história... ela é formada por vários contos separados... e os escrevi sem ordem... este é um dos primeiros que escrevi... já o publiquei neste espaço... mas agora ele está em um contexto... NOS FRAMENTOS DA MEMÓRIA DELA...


Terceiro ato - o suspiro

Ela sabia que aquele suspiro significava a falta que ela sentia dele. E não era uma falta só de pele. Era falta da voz, da respiração, da sua simples presença na sua fome. Todas as vezes que ela suspirava, ele logo a abraçava por trás. Principalmente quando o suspiro escapava nas manhãs ao despertar.

Aquela era uma mania antiga. A primeira coisa que ela fazia ao abrir os olhos era dar um longo e sonoro suspiro. Misto de preguiça, agradecimento e contentamento. E acabou se criando um código, o suspiro dela pedia o abraço dele, quase sempre por trás. Afinal, era sempre ele que se preocupava em abraçá-la durante toda a noite. Ela sempre virava para o lado de fora da cama e era sempre ele que dormia olhando para o interior dela. Com cuidado e a abraçando com carinho, quase como se fosse um berço a embalar seu sono tão vazio e tão sozinho.

Isso ela percebia somente agora. Lembrou que quando ele falava que a tinha abraçado a noite toda, não conseguia entender o que ele queria dizer com aquelas palavras. Mas naquele dia entendia. Naquele dia que o suspiro a deu a imensidão do vazio que sentia, entendeu perfeitamente o que ele tentara lhe dizer por tantas vezes ao comentar que tinha dormido a noite toda com ela abraçado.

Ele tinha tentado mostrar para ela o seu amor. Amor que ela simplesmente havia diminuído, pois o seu olhar não estava acostumado com tanto sentimento. Ainda eram olhos muitos imprecisos e preguiçosos naquele momento.

Mas naquele dia ela sabia que depois do suspiro não haveria abraço. Nem fita, nem laço. Nenhum presente a esperava para fora daquele embaraço. Por isso, quando veio o suspiro o que o seguiu foi um soluço. Profundo e em completo desatino. Como se a explicar para aquele suspiro que o código se rompera. Não havia mais os braços dele para o acalmar nem para dizer o quanto aquele dia seria bom.

O soluço se transformou logo em choro. Mas era um choro sentido e calmo e não ritual de sacolejos que começava no meio do seu ventre e deixava todo o seu corpo a tremer como tinha acontecido na morte do seu aniversário, era um sofrer leve e perene. Esse choro apesar de suave durou muito, tanto que nem percebeu quando adormeceu novamente. Ao acordar, os olhos não abriram com a mesma facilidade, afinal havia chorado tanto que eles estavam meio inchados, pareciam duas bolas de plástico, daquelas vermelhas e sem asco, mas com toda a dor da falta do abraço que não a embalou naquela manhã.

Pensou consigo mesma, é querido suspiro, você vai ter que se acostumar a acordar sozinho, pois essa sua choradeira me deixou até cansada. O suspiro respirou aliviado e lhe disse baixinho, fique tranqüila, logo me acostumo com a solidão, só te peço que no próximo abraço, tu possas também dormir virada para o lado dos braços, pois um dia eles se cansam de só abraçar sem serem abraçados.

Ela percebeu que uma nova lágrima inaugurava o rosto ainda inchado e respondeu, com os olhos presos no chão, fique tranqüilo suspiro, os próximos braços que te abraçarem serão tão bem-vindos que eu não somente dormirei de frente para eles como os abraçarei todas as noites sem nenhum cansaço. Ela ainda suspirou mais uma vez antes de dar o próximo passo para fora da cama. Agora sem nenhum estardalhaço. Apenas com seu solitário coração batendo forte como aço.

CONTINUA...

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