segunda-feira, julho 10, 2006

AINDA NOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELE...

Terceiro ato – A morte em vida


Quando ele deixou de compreendê-la foi como se a melhor parte dele também o tivesse abandonado. Isso ele não entendia, afinal ela era tão dura. Como ela poderia lhe trazer a parte que mais o acalentava ? A incompreensão foi ficando a cada dia maior.

E quando a incompreensão dá lugar a um amor a dor é uma presença constante. Tão clara e uniforme que ele se sentiu morrer em vida e assim nem tinha mais a morte a lhe dar a saída daquele drama. Isso quase o enlouqueceu.

Passou a não conseguir sentir a dor que dia a dia invadiu o seu coração. Queria voltar a ser aquele antes de tê-la conhecido, mas isso já não podia mais. Ela o tinha enredado de tal modo, o tinha seduzido com o seu sorriso cativante que ele já não poderia voltar a ser o mesmo de antes. Isso era para ele impossível. Ele simplesmente sabia.

Foi aí que se iniciou o pior e o melhor do que podia entre eles acontecer. Momentos raros e fartos de extrema felicidade quando um cedia ao orgulho e a vontade de procurar o outro, nem que fosse para sentir furtivamente no corpo a emoção de estarem juntos mais uma vez, numa simples tarde.

A dinâmica era sempre a mesma. Só trocavam os personagens, quando ele aparecia meigo e sensível ela se tornava a que tinha o coração de aço. E quando era ela que se rendia aos encantos e cantos dele, ele lembrava de todo o embaraço, seja com a presença ou a ausência da primavera, não importava, as flores eram sempre secas e nunca belas. Era uma dança sem fim, pensavam amaldiçoados e aflitos, depois de cada encontro para ambos dolorido.





Quarto ato – a ressurreição.


Ele ainda não saberia precisar como aconteceu. Na realidade, nem saberia ter certeza se tinha acontecido mesmo. Mas também deixou de tentar entender. Só de não sentir mais aquela dor, aquela ausência da sua melhor parte que parecia o ter abandonado quando deixou de compreendê-la, ele já se sentia novamente vivo. Algo o dizia que era apenas o tempo que tinha tornado possível o aparente esquecimento.


Depois que você morre em vida, se sentir vivo é o melhor antídoto para qualquer vício. Mesmo que seja o vício de morrer um pouco por dia. O problema é lidar com aquela imagem que iniciou todo aquele processo. Isso ele nem pensava quando a viu, sem querer, muitos anos depois, no local que ia trabalhar.


Aquela sensação foi tão difícil e alegre. Primeiro avistou a grande amiga dela que ele muito gostava. Tinha sido ela que ele tinha chamado para consolá-la quando a morte a visitou em seu pleno aniversário. Disse oi e logo perguntou dela. A amiga respondeu que como sempre, ela estava no banheiro. Ele riu e se lembrou daquele seu velho hábito.


Quando seus olhares se confrontaram ele sentiu o nervosismo dela. Como sempre, foi aberto e franco, apesar de já ter criado uma rede de proteção contra os solavancos. Disse o quanto tinha saudades dela. Confessou que andava nas ruas do centro a pensar em encontrá-la, mas nunca imaginou que o encontro se daria daquela forma. Trocaram telefones. Mas o medo e a felicidade pareciam os mesmos dos encontros anteriores. E ele resistiu e pensou no quanto estava vivo. Isso certamente era o que mais o enternecia e agradava. Ao menos, naquele momento, ele não precisava mais de nada. Ainda estava recomeçando a viver sem a fome que para ele, ela ainda representava.




Quinto ato – a vida novamente

Sabia o quanto tinha mudado desde o momento em que a havia visto pela primeira vez. E novamente conseguia sentir prazer na simples euforia de viver. Isso certamente era novo para ele. E ela entendia. Desta vez era ela quem o compreendia sem nenhum esforço. Exatamente como a ele tinha entendido quando se conheceram.

Mas ele ainda tinha outras dores. Dores que não tinham relação direta com ela. Sensações tão desconfortáveis que nunca deixou que ela as percebesse. Por isso, sentir a vida novamente era o que mais gostava e também o que mais o assustava.

Começou a procurar o contato simples e sincero. Reconheceu nos olhos dela aquela que um dia ele já tinha amado. Soube que ela queria aprender a cantar. Ele sempre lhe dizia isso no passado e ela nunca tinha mostrado a vontade de aventurar sua voz na arena do acaso. Mas agora ela queria. Ficou feliz por perceber que estava vivendo novamente, assim como ela, ambos sobreviventes do amor que lhes tinha dado primeiro a morte, para depois presenteá-los com uma nova vida. Vida sem saída e com muita energia.

CONTINUA NOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELA...

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