sábado, junho 10, 2006

A possibilidade...

Ele elegeu aquele como o dia da preguiça. Depois de muito sol e água. Depois da lua clara. Dia de inaugurar o nada no meio da viagem na praia calada. Aquele tinha sido o refúgio depois do encontro fortuito com o rio obscuro. O paraíso escondido na linha verde, cheio de tartarugas, piscinas naturais e muitas redes. Lá na praia que tem nome de forte no litoral da Bahia. Pura sorte, pensava sem muita certeza na quase morte.

Sentou-se em um café no meio do dia da preguiça. Bem brasileiro, pensou meio ao acaso. Queria apenas olhar as ruas desenhadas, propositadamente desleixadas, como se a dar a impressão de improviso ao que foi arduamente planejado. Aquilo no início lhe deixou apreensivo e inativo. Reparou nos alemães na mesa ao lado, cada um com a sua própria cerveja. Ficou na dúvida se aquilo era pelo gosto da quentura do líquido ou a simples cultura do personalismo. Resolveu esquecer seus conceitos pré-concebidos e deu um suspiro longo meio a procurar o desaviso.

Depois relaxou, percebeu que aquele lugar era a própria possibilidade. Junto à feira de produtos típicos - pensou no vento - a soprar do mar, a mostrar o quanto o tempo é perene, incontrolável e às vezes até inaceitável por trazer muito devagar o que desejamos e levar muito depressa o que muito gostamos. Este pensamento era quase um desalento naquele seu momento de calma e quase pranto.


Aí seus olhos se defrontaram com a visão que simplesmente não esperava. O jogo de bola em frente à igreja. Não havia campo nem gol. Apenas os moradores da vila a mostrar o seu território. A disputa da bola na frente de todos os que lá estavam para passear, andar ou simplesmente sentir o ar da tarde. Aparentemente preguiçosa demais para demonstrar o alarde.



Por mais banal que a visão pudesse parecer, ele pressentiu algo muito especial. O jogo não era simplesmente da bola. Era como se os nativos estivessem mostrando a todos os visitantes o quanto àquele local era deles. Aquela praia, aquela areia, aquelas casas. Tudo construído a partir do olhar que lhes pertencia. Isso poderia passar desapercebido para os outros turistas, mas para ele adquiriu ares de indiscreto. Ele já não podia mais fingir que não vira.

Esta simples imagem lhe deu a certeza da coragem dos que ali estavam a jogar a bola. Sua mente e seus olhos ficaram fixados naquele jogo que não tinha embaraço e servia para mostrar a todos o seu próprio cansaço.

Não queria mais café, decidiu. Precisava mergulhar no mar. Mas e a preguiça, lembrou-se com medo e marasmo. Seus olhos não conseguiam parar de prestar atenção no jogo. Nem gosto tanto assim de futebol, lembrou-se. Mas sabia que seu interesse era pelo símbolo, pela possibilidade dos contrastes a dançarem como se fosse um baile de despedida. Como se fosse uma simples paixão desmedida. Como se fosse uma razão desconhecida.

Apesar de não querer mais beber percebeu que não conseguiria sair dali enquanto aquele jogo não terminasse e foi aí que percebeu que não havia como saber quem seria o vencedor. As incertezas das regras, da divisão dos times, da trave e da forma do gol faziam parte do código secreto criado por aqueles homens para impedir que qualquer pessoa que não pertencesse ao seu grupo pudesse participar de qualquer forma daquele ritual.

Sentiu a bola lhe explicar as regras do jogo e a sua mente só conseguia pensar na tentativa daquela gente em delimitar seu espaço, impedir a invasão em meio ao mormaço. Naquele momento, a bola lhe olhou compreensiva e o afagou. Ele compreendeu que esta era a hora de contemplar o mar. Deixar que ele levasse para bem longe, toda esta dor de gente sofrida, que de verdade, não conhecia nada, mas que lhe machucava e motivava.



Desejou que esta dor viajasse e fosse levada para longe. A dor de corpo sofrido, de mão calejada, de prato vazio e de não encontrar estrada, nem caminho para fugir do nada. A bola ainda lhe falou que a potência e a pureza da água do mar poderiam além de levá-las, torná-las dores cheirosas, quase perfumadas, para que fossem confundidas com flores no seu porto de chegada. Foi exatamente isso o que fez, antes de pedir mais um café, que tomaria em homenagem à preguiça que lhe permitiu conhecer melhor a bola. Sua eterna confidente imprecisa.

Foi por isso que quando deixou aquela praia, numa manhã de muito sol, olhou para trás, como se a desejar que a possibilidade que habitava a bola pudesse encontrar um reflexo dentro do seu sentir. Pois foi assim que ela havia lhe cativado e o fez perceber que a dor e a alegria, são ambas meras representantes da mesma energia. Euforia da vida a encontrar guarida na bola jogada naquela praia vazia com o coqueiro caído a se mostrar inteiro naquela esquecida baía.

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