segunda-feira, julho 17, 2006

AGORA... FRAGMENTOS DA DOR...

FRAGMENTOS DA DOR


Primeiro Ato – A dor dele


Era um encontro como outro qualquer, ela pensava. O ensaio e a dança que o antecederam foram praticamente iguais ao ritual dos encontros anteriores. Praticamente, pois apesar dos fatos serem os mesmos, das frases serem conhecidas e da dinâmica familiar, a forma dela interpretar tudo aquilo havia sido outra. Nem saberia precisar como, mas certamente era diferente. Desta vez não havia dor, ela disse em voz alta, como a obrigar o seu coração a ouvir aquelas palavras. Certamente era a primeira vez que isso acontecia.

O filme fora escolhido por ele. Um documentário sobre um poeta, retrato de uma vida marcada por várias paixões, noites interminável de boêmia e muita tristeza. Tristeza, ela pensou, ao se deparar com uma lágrima furtiva que invadia o seu rosto, quando a filha do poeta falou da dor da sua mãe – primeira das nove esposas que ele teve – ao se deparar com a morte do seu amor.

Ela rapidamente enxugou a lágrima para que ele não a percebesse. Afinal, poderia pensar outra coisa. Olhou para o lado e suspirou aliviada quando viu que os olhos dele estavam grudados na tela, não há o que se preocupar, ela pensou enquanto voltava seus olhos atentos para o filme.

A saída do cinema e aquele silêncio morto. As primeiras impressões sobre o filme e aquele mistério do que seria a noite depois daquele ponto. O vazio que ele preencheu dizendo que queria beber algo. Matar aquela sede, aquele calor, aquela fome. Pronto, tudo resolvido, ela pensou e foram ao bar ao lado.

Com certeza não seria um lugar que normalmente os agradaria: mesas na calçada, música por todos os lados, barulhos e cheiros a invadir o ambiente. O profano do sagrado. Mas para aquele primeiro encontro sem dor, era o lugar perfeito. Este era o pensamento dela quando se sentaram.

Pediram uma cerveja e meio aleatoriamente iniciaram a conversa. Tudo o que se passava na mente dela, as suspeitas, os temores e principalmente as incertezas se foram ao longo do tempo. A conversa fluiu séria depois com risadas, humana, sincera e ainda assim sem dor alguma. Era como se tivessem se conhecido novamente. Ele dizia coisas que ela desconhecia sobre a sua família, sua música, sua vida.

Ela reconheceu o momento da dor dele quando ele lhe contou a decepção na infância. Ela quis chorar. Mas não era pela sua própria dor como das outras vezes, desta, as lágrimas queriam sair pela dor dele.

Foi somente aí que ela percebeu que além daquele ser o primeiro encontro deles sem a sua dor, era também a primeira vez que ela percebia a dor dele. Dor ausente. Dor de se sentir desprotegido e inseguro no seu próprio ambiente. E percebeu também o quanto o compreendia. Como nunca havia feito. Ele era para ela um mistério desvendado. Lindo mistério colado ao seu coração alado.

Ela sorriu para a dor dele, disse muito prazer, quero te conhecer melhor. Ele nem percebeu, mas a sua dor sim, sentiu quando ela retribuiu o sorriso e murmurou, obrigada por me notar, estou a tanto tempo aqui e nunca ninguém me dirigiu um olhar.

Ela, educada que era, ficou satisfeita com a aproximação e entendeu que no momento que matou a sua dor é que pode vislumbrar a dor do outro. Tímida, calada e emotiva. Dor simples e sem saída. Mas a única a ser compreendida pelo seu amor. Amor de partida.

CONTINUA...

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