terça-feira, julho 18, 2006

AINDA NOS FRAGMENTOS DA DOR...

Segundo ato – A não dor dela

Ele chegou cedo. Era sempre assim quando marcavam um encontro. Ele a esperava, às vezes, com medo que ela não aparecesse, mas ela sempre vinha, ele pensou. Mesmo quando o último encontro havia sido doloroso. Isso sempre o deixava meio culpado, mas naquele dia, não era esse o caso.

O último encontro deles havia sido simples. Ele a tinha convidado para ir a seu show, ela foi. Ele dedicou sua música para ela, que não entendeu nada quando ele tocou uma música antiga. Foi aquela música. A música antiga e datada no repertório dele que a fez entender o quanto ambos haviam mudado após nove anos de separação.

A partir daquela música, tudo havia mesmo mudado, ele pensou. Ele nunca mais havia visto a dor dela. Olhou para o relógio, dez minutos de atraso e verificou ao redor se ela já chegara. Ainda não.

Logo ela veio. Andando sem jeito como sempre fazia, ainda mais quando estava sendo observada, sabia o quanto ela era tímida. Abraçaram-se como velhos amigos, ele percebeu que ela estava mais bonita que da última vez. Ela está sem a dor, pensou ele.

Ele disse para tomarem uma cerveja antes do cinema, ela retrucou, um café apenas e ele concordou como sempre fazia. O café, a água e o filme. Como era de costume, ela saiu no meio da sessão para ir ao banheiro. Esta era uma mania dela que ele não entendia. Lembrou-se de quando estavam juntos. Como ficava impacientemente aguardando nas portas, toda as vezes que ela ia ao banheiro. Sorriu, aquilo acabou virando uma piada deles, se lembrou meio ao acaso.

O filme já tinha acabado, então vamos tomar a cerveja, ele disse e ela simplesmente concordou. Foram falando sobre o filme. Ela disse que não entendia a facilidade do poeta em se apaixonar, ele começou a explicar para ela quando percebeu que também não entendia, ele também não era de se apaixonar fácil. Disso, ela já sabia.

Sentaram e se ele se surpreendeu com a conversa. Leve e sincera como sempre desejou que fosse entre os dois. Sem aquela sombra nos olhos dela, sem aquela vontade que ela tinha de querer interpretar as palavras dele, sem aquela ânsia e aquele sofrimento. Finalmente, aquela dor se fora, pensou ele.

Tomar consciência disso foi tão bom que ele se soltou. Falou de coisas que nunca havia dito. Suas próprias dores, seu choro, seu ritual de passagem. E percebeu quando ela se emocionou. Nunca antes tinha percebido uma emoção dela que não viesse de sua própria dor. Essa era a primeira vez.

Sorriu mais uma vez quando avistou o senhor que vendia os bichinhos de pano que a sua esposa fazia, ele sempre aparecia quando eles estavam juntos, ele pensou e disse em voz alta, ela sorriu e concordou com a cabeça. Ele perguntou se ela se lembrava de quantos ele havia dado para ela de presente, ela não sabia. Ela tinha acabado de dizer que tinha se apaixonado por uma coruja branca e ele deu para ela, uma coruja cor de rosa, com lantejoulas.

O sorriso dela foi lindo. Ele nunca a havia visto assim. Está feliz, ele pensou, sem se preocupar com a razão daquela felicidade. Talvez seja só pela ausência daquela dor pensou ele, sem nenhum alarde.


AMANHÃ... TEM MAIS...

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