quinta-feira, agosto 10, 2006

Em tempos de eleição... Reflexões sobre Brasília...

Para quem ainda não sabe... Desde que reiniciei a escrever, quando visito uma cidade, escrevo quase um diálogo mostrando o que aquele lugar me ensinou... o que ele me disse... Brasília fez parte da minha vida por alguns meses e foi neste tempo que fiz o texto abaixo... em tempos de eleição acho que ele cai bem...

FLEXIBILIDADE

Reflexões sobre Brasília


O teu céu sem fim é a primeira coisa que salta aos olhos daqueles que em ti adentram, seja pela terra, seja pelo ar, pois é ele que dá a exata quadratura do teu firmamento.

Escolhida para seres a cidade modelo, dificilmente se aproximam de ti aqueles que querem apenas conhecer o teu cheiro. Quando não se trata propriamente de trabalho, são motivos outros que fazem você ser visitada, dificilmente se resume à curiosidade pura e desinteressada.

Meu primeiro contato contigo data de um tempo que nem me lembro direito e o motivo que me levou faz parte deste mesmo momento, mas o que não me sai do pensamento é a lembrança da surpresa por avistar na morada da justiça, perdida e pequena em meio a um vasto campo que misturava verde e concreto - ambos aparentemente inexistentes e incorretos - o mesmo sol seco a brilhar no teu céu, que de tão grande e reto, adquiriu para mim, ares de incoerente e indiscreto.

Depois disso, tu aparecias nos noticiários, mas sempre no papel secundário, mero palco das disputas sangrentas e por vezes hilárias, acontecimentos que marcam a essência deste país, ainda perdido entre o cerrado que te rodeia e sem saber por onde escapar da sua própria ambigüidade, único traço que realmente o margeia.

Em um certo dia da minha vida me vi muito próxima de ti. Tão próxima a ponto de pensar na possibilidade de estabelecer morada na tua planície. Mas o tempo trouxe a alvorada e com ela a tua marca errante - até então para mim desconhecida - se fez presente, a flexibilidade que te habita e torna tudo possivelmente mutante fez do que era para ser só de um jeito, após um simples remendo, ser ajustado ao o que meu olhar necessitava naquele momento.

Ver-te algumas vezes, por alguns meses e assim ir te conhecendo aos poucos, sem pressa ou urgência, deixando o atropelo para outras paragens e conseqüências.

A partir de então, foram várias idas e vindas, na primeira, ao adentrar na tua catedral e sentir o sol travestido de azul pulsando o corpo nu dos anjos que a adornam, imagens visivelmente escorregando do céu a encostar-se a terra, me veio novamente à idéia da flexibilidade, única a tornar possível que se perca a angelitude para vislumbrar a latitude da humanidade e assim fazer desta tua terra seca o celeiro do pensamento das transformações necessárias ao país que te acolhe.

Com o passar do tempo, deixei de sentir o desassossego que sempre me aparecia quando era preciso entender a lógica ilógica dos teus endereços para eu me encontrar nas quadras deitadas nas suas asas. Mas foi quando eu não tentei mais te ver com o olhar acostumado que eu trazia de outras cidades é que eu pude vislumbrar a sua inaparente mobilidade travestida de letargia.

Comecei a me aventurar fora dos limites da tua paisagem para mim segura - a Esplanada dos Ministérios, onde os espelhos, o concreto e água dão a sensação profunda do seu isolamento e da sua mágoa - e a olhar os arredores até visitar uma pequena cidade conhecida pela Cavalhada, símbolo do seu folclore.

A pequena ousadia de sair para conferir a natureza que te cerca, me fez perder o medo de ti e avançar no teu parque, num final de tarde, para sentir teu aconchego. E o senti, juntamente com a lua cheia que surgiu no teu céu, que desta vez não me pareceu mais indiscreto nem incoerente, mas sim concreto e ausente a me explicar à necessidade da flexibilidade para dar à sua juventude a experiência compatível com a tua inesperada amplitude.

Talvez porque não tenha sido só um contato, talvez por você abrigar na tua terra a abundância do futuro que eu espero, sinto que esta marca que te habita - a tal da flexibilidade - não apenas toca o meu olhar, mas adentra na minha forma, me tornando um pouco parte da tua paisagem e por mais distante que eu esteja, vislumbro no meu desejo o ensejo de deixar de ser um corpo para me misturar em meio à tua terra seca, em meio ao teu céu cativante, para cair como uma lágrima, solitária e abundante, perdida e errante, imparcial e relutante, para nunca deixá-la, cara amiga Brasília, pois abrigo a minha esperança na lua que ilumina a tua madrugada, ainda carente de afago e sem semblante.





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