quarta-feira, junho 21, 2006

Silêncio...

Agonia que me invade,
Quando as palavras perdem os sons,
As bocas parecem factóides,
Fantoches silenciosos,
Presos no meu encantado porão.

Não é sempre que isso acontece,
Mas ainda não sei como sucede,
Estranhamente, o som desaparece,
Apenas o movimento de falar,
Permanece.

Às vezes, sinto que é coisa interna,
Como se o meu ouvido,
Se desligasse do som externo,
Para atento ouvir,
O grito do silêncio eterno.

Outras, penso ser mesmo um mero defeito,
Como se a fisiologia pudesse explicar,
Meu ouvido insensato,
Cheio da escassez de tudo querer ouvir e escutar.

Ainda não descobri o correto,
Fico entre esses dois extremos,
Como se eles fossem as únicas opções,
Deste inevitável e incerto conserto.

Sinto o sincero desejo de te ouvir,
Sem som estéreo,
Apenas com a tua voz,
Mansa e doce,
A soar no infinito estéril,
O que nunca poderei ouvir,
Pela prisão do som,
Eternamente, só e cego.
A me dizer, o que não quero,
Não espero e desespero,
Na solidão do não sentir.
Sem nenhum esmero.

quinta-feira, junho 15, 2006

BEIJO BORDADO


O que eu sinto, não me vêem,
O que me vêem, eu não sinto,
É tanto desencontro,
Que às vezes, minto.


Sem raiva, premeditação ou culpa,
É mentira verdadeira, pura,
Que me faz crer na fluidez da água que passa e nunca fica,
Pois é da sua essência ser rala e viva...

Vez em quando, a mentira vem com algum desassossego,
Aperto no coração, como se fosse um medo,
Uma sofreguidão, um lamento...
Daí, ela arranha a garganta e só sai com rouquidão,
Voz grossa que mostra a podridão do atropelo...

Tem outros momentos que a mentira parece um perfeito novelo,
A ponta é tão pequena e frágil, que é incerto o desfecho,
Pois o grande desenrolar das frases,
Faz da mentira um complicado bordado no pano em relevo,
Daqueles difíceis de desmanchar,
Sem deixar marcas e pontos profanos de desejo.

Mas é quando a mentira se confunde com a verdade,
Que eu realmente me calo e canto o sossego,
Pois é somente aí que compreendo que no sentimento,
Não cabem alguns conceitos e só é real o que eu aceito e remendo,
Sem importar o enredo ou o acerto,
Já que a voz é o meu próprio ensejo de tornar belo meu amor,
Como se fosse um beijo,
Bordado com meu sangue,
Sem nenhum outro adereço.

sábado, junho 10, 2006

A possibilidade...

Ele elegeu aquele como o dia da preguiça. Depois de muito sol e água. Depois da lua clara. Dia de inaugurar o nada no meio da viagem na praia calada. Aquele tinha sido o refúgio depois do encontro fortuito com o rio obscuro. O paraíso escondido na linha verde, cheio de tartarugas, piscinas naturais e muitas redes. Lá na praia que tem nome de forte no litoral da Bahia. Pura sorte, pensava sem muita certeza na quase morte.

Sentou-se em um café no meio do dia da preguiça. Bem brasileiro, pensou meio ao acaso. Queria apenas olhar as ruas desenhadas, propositadamente desleixadas, como se a dar a impressão de improviso ao que foi arduamente planejado. Aquilo no início lhe deixou apreensivo e inativo. Reparou nos alemães na mesa ao lado, cada um com a sua própria cerveja. Ficou na dúvida se aquilo era pelo gosto da quentura do líquido ou a simples cultura do personalismo. Resolveu esquecer seus conceitos pré-concebidos e deu um suspiro longo meio a procurar o desaviso.

Depois relaxou, percebeu que aquele lugar era a própria possibilidade. Junto à feira de produtos típicos - pensou no vento - a soprar do mar, a mostrar o quanto o tempo é perene, incontrolável e às vezes até inaceitável por trazer muito devagar o que desejamos e levar muito depressa o que muito gostamos. Este pensamento era quase um desalento naquele seu momento de calma e quase pranto.


Aí seus olhos se defrontaram com a visão que simplesmente não esperava. O jogo de bola em frente à igreja. Não havia campo nem gol. Apenas os moradores da vila a mostrar o seu território. A disputa da bola na frente de todos os que lá estavam para passear, andar ou simplesmente sentir o ar da tarde. Aparentemente preguiçosa demais para demonstrar o alarde.



Por mais banal que a visão pudesse parecer, ele pressentiu algo muito especial. O jogo não era simplesmente da bola. Era como se os nativos estivessem mostrando a todos os visitantes o quanto àquele local era deles. Aquela praia, aquela areia, aquelas casas. Tudo construído a partir do olhar que lhes pertencia. Isso poderia passar desapercebido para os outros turistas, mas para ele adquiriu ares de indiscreto. Ele já não podia mais fingir que não vira.

Esta simples imagem lhe deu a certeza da coragem dos que ali estavam a jogar a bola. Sua mente e seus olhos ficaram fixados naquele jogo que não tinha embaraço e servia para mostrar a todos o seu próprio cansaço.

Não queria mais café, decidiu. Precisava mergulhar no mar. Mas e a preguiça, lembrou-se com medo e marasmo. Seus olhos não conseguiam parar de prestar atenção no jogo. Nem gosto tanto assim de futebol, lembrou-se. Mas sabia que seu interesse era pelo símbolo, pela possibilidade dos contrastes a dançarem como se fosse um baile de despedida. Como se fosse uma simples paixão desmedida. Como se fosse uma razão desconhecida.

Apesar de não querer mais beber percebeu que não conseguiria sair dali enquanto aquele jogo não terminasse e foi aí que percebeu que não havia como saber quem seria o vencedor. As incertezas das regras, da divisão dos times, da trave e da forma do gol faziam parte do código secreto criado por aqueles homens para impedir que qualquer pessoa que não pertencesse ao seu grupo pudesse participar de qualquer forma daquele ritual.

Sentiu a bola lhe explicar as regras do jogo e a sua mente só conseguia pensar na tentativa daquela gente em delimitar seu espaço, impedir a invasão em meio ao mormaço. Naquele momento, a bola lhe olhou compreensiva e o afagou. Ele compreendeu que esta era a hora de contemplar o mar. Deixar que ele levasse para bem longe, toda esta dor de gente sofrida, que de verdade, não conhecia nada, mas que lhe machucava e motivava.



Desejou que esta dor viajasse e fosse levada para longe. A dor de corpo sofrido, de mão calejada, de prato vazio e de não encontrar estrada, nem caminho para fugir do nada. A bola ainda lhe falou que a potência e a pureza da água do mar poderiam além de levá-las, torná-las dores cheirosas, quase perfumadas, para que fossem confundidas com flores no seu porto de chegada. Foi exatamente isso o que fez, antes de pedir mais um café, que tomaria em homenagem à preguiça que lhe permitiu conhecer melhor a bola. Sua eterna confidente imprecisa.

Foi por isso que quando deixou aquela praia, numa manhã de muito sol, olhou para trás, como se a desejar que a possibilidade que habitava a bola pudesse encontrar um reflexo dentro do seu sentir. Pois foi assim que ela havia lhe cativado e o fez perceber que a dor e a alegria, são ambas meras representantes da mesma energia. Euforia da vida a encontrar guarida na bola jogada naquela praia vazia com o coqueiro caído a se mostrar inteiro naquela esquecida baía.

sábado, junho 03, 2006

Crença

Ainda não entendo o que sinto
Às vezes emendo e ressinto,
Não compreender o momento
Do encontro para mim aparentemente sem sentido.

Meu coração não para de vibrar,
O meu sorisso não consegue te esquecer,
E o meu amor é caro em conceber,
A imagem do teu olhar
Eternamente a me ver.

Percebo que nada mais importa
Já abri a porta
Tu já entraste na ilusão meio torta
E eu ainda tento perder a aposta
Para poder ter fé no sentimento sem prosa.

Sei que preciso acreditar no amor
Ele que sempre me foi tão raro
Quase como um relicário
De repente invadiu meu cenário
E me deixou sem o teu itinerário
Queria poder desabafar
O que em mim não cala
Mas fica só e sem sala
Quando tenta inaugurar a fala

Te vejo e não esqueço
Do quanto me abandonei em teus braços
Quando em ti vivi o amor
Que não cabia nas tuas despedidas
Muito menos somente nos meus abraços.

Era maior do que o mundo
Talvez por isso me tenho deixado
Cabisbaixo e moribundo
Só com a possibilidade da crença
Como forma de reencontrar o rumo.

quinta-feira, junho 01, 2006

Cabimento...

O que cabe em mim,
É diverso do que te cabe
Por isso ainda não sei
O que é que nos cabe,
A ambos, sem entrave.

Sentir tua rouquidão mansa
Como uma simples dança,
Faz da incompreensão,
Uma inevitável mudança.
A luz do sol através da janela,
Dá a exatidão da tua aquarela,
A experimentar cores e dores,
Como se fossem simplesmente tenores,
Da voz que te reverbera todos os amores.

A brancura da tua tez misturada à sujeira da minha avidez,
Mostra a diferença do que nos cabe,
Para ti, sensações e tremores,
Para mim, inexatidões e odores.
Restamos ambos ainda a procurar o que nos cabe juntos,
Que não existe, mas persiste,
Como uma bolha no ar,
Preso entre o ser e o estar conjunto.

Breve solidão,
Que só pertence ao meu pobre olhar,
Solitário e entregue,
À frouxidão de em ti celebrar,
O momento do festejo leve.

Percebo o momento em que em ti cabe o que pressinto,
Cabimento sem sentido,
Escondido no meu peito,
Sem amor ou desatino,
Apenas com a porção do meu sofrimento,
Eternamente colado ao meu desvario.
Calado como este tormento.
Amoroso e sem frio.