segunda-feira, julho 31, 2006

Para variar... hoje uma poesia... cheia da chuva do Rio...

FOTO IRA

O contraste da luz,
O negro e o branco,
O tom do som que conduz,
A visão ao meu olhar insano.

O fogo salta dos olhos,
Dá ao papel a aparência de vida,
Faz dos adornos das imagens,
A única mensagem que me cativa.

Para tanto fogo,
É preciso água,
Daquela que mata a sede, sem encontro,
Ao deixar a paisagem antes viva,
Se tornar movimento preso no contorno.

Apesar de contidos,
Os esboços vibram, pulsam,
Denunciam a ira,
Quase explodindo na fotografia,
Sem nem mesmo calar,
O beijo no pé, a andar descontínuo na via.

Séries desconexas,
Meros entornos dançantes,
Aparência de hesitantes,
Ao grito cortante,
Incompreendido na agonia,
Aparentemente inconstante.

Sombras que falam,
Com vozes e cabeças disformes,
Encontram no meu sentir,
A identidade da falta do que os consome.

A dor de ser branco, de ser negro,
De ser humano sem apreço,
E mesmo assim,
Carregar o grito contido,
Nas mãos que simulam um improviso,
Nas bocas que desenham um beijo perdido,
Entre o olhar e o sentir,
Mas sem encontrar o verdadeiro compartilhar,
Ao simplesmente tentar se unir.

quinta-feira, julho 27, 2006

Algo Novo...

Está na hora de começar algo novo. Nem que seja um rito. Nem que seja um mito. Preciso esquecer tudo o que me foi dito. Ainda penso no que devo sentir. Raiva, tristeza ou simplesmente agonia. Não consigo me decidir. É como se todos estes sentimentos estivessem misturados dentro do meu peito sem coragem de assumirem as suas feições, tão estranhas e sentidas.

Durante tanto tempo simplesmente acreditei. Dediquei-me aos sonhos, às palavras e às moradas. Depositei em ti tudo aquilo que acreditava não ser possível creditar em nenhum outro lugar. Toda a compreensão, todo o amor, toda a amplitude do sentimento do compartilhar. Hoje, só hoje, vejo o quanto me enganei. Ainda não sei... talvez tenha sido um engano duplo... fingimos ser aquilo que tínhamos medo de sermos para os outros... Mas isso morreu... Ou talvez simplesmente nunca tenha existido... O que eu ponho no lugar??... uma flor, uma saudade, uma dor ou uma vontade??? Preciso treinar a raiva para poder vislumbrar a retirada desta flecha do meu coração. Sem que o veneno da sua ponta me invada facilmente. Sem que eu sinta a lassidão do teu olhar ausente. É simplesmente por isso que preciso de algo novo...

quarta-feira, julho 26, 2006

Pequena crônica...

OS OLHOS NEGROS NA FOTOGRAFIA

Esta não era a primeira vez que via o registro daquele olhar. Disso tinha certeza. Só não podia precisar quando tempo fazia aquela primeira vez. Talvez uns dois ou três anos, talvez. Certo era que naquele momento não era só o registro que a impressionava, mas as próprias imagens, latentes, humanas como se a estampar no papel a magia da vida incandescente.

Já lera sobre o fotógrafo. Homem que nascido em terras distantes havia se apaixonado pela paisagem tropical. Nada de novo nisso, pensou. Mas o que era certamente novo era aquele olhar. O que mais chamava a sua atenção era perceber – em quase todas as fotos – um par de olhos perdido entre a multidão a confrontar a lente da máquina que os prendia. Olhos que desafiavam aquele olhar que os destinava à fotografia. Isso era realmente incrível.

Percorreu toda a exposição, mas foi quando estava quase acabando que se deparou com uma foto que tomou conta do seu corpo. Era uma foto de três ou quatro meninos, não saberia ao certo, mas um deles olhava para a câmera com um jeito que imediatamente ela o reconheceu. Não sabia de onde, nem porque, mas aquele olhar a tocou fundo e ela se viu movida a isto compreender. Marcou em um papel o nome da foto e saiu à sua procura.

Primeiro meio a esmo, foi atrás de toda a obra publicada do fotógrafo e não encontrou nenhuma referência daquela foto. Mas não desistiu. Continuou a procurar. Passaram-se anos quando ela finalmente compreendeu o que aquela foto lhe dizia.

Estava em visita à cidade natal de seu avô, interior de Minas. Ela nem o havia conhecido muito bem, mas já estava na fase de querer ter as suas raízes, bem quando a árvore da idade começa a crescer. Foi conhecer a cidade que só lembrava da jabuticabeira no quintal da casa antiga e quase desmaiou quando viu na praça, os mesmos olhos da fotografia. Mas não eram olhos vivos, isso ela sabia. Eram os olhos da lamparina de gás, por detrás da cortina, a emendar a luz do luar que naquele dia ensaiava sua nova sina. Luz de lua morta, a demonstrar sem nenhuma teimosia, o quanto o olhar no papel alucina, mas quase nunca corresponde ao fascínio da magia do olhar da natureza que a tudo encanta e alumia.

terça-feira, julho 25, 2006

ATO FINAL DOS FRAGMENTOS DA REALIDADE...

Hoje é o último "ato" deste conto... mas como último é meio defintivo demais, prefiro pensar que é o último "por enquanto"... afinal as verdadeiras histórias não tem mesmo um fim preciso... espero que gostem de ler assim como eu gostei de escrever...


Ato final – A sensação do amor – só e incoerente sem a dor sua constante parente.


Como toda história que se preza tem um final, esta não poderia ser diferente. Só que o final não mostra a forma definitiva do amor dos dois a viver entre quatro paredes.

Certo é que se amaram. Certo ainda que se amavam até aquele encontro fortuito e mais certo que continuariam a se amar. Isso lhes era claro e patente.

O que aconteceria com este amor, não mais lhes pertencia, nem tampouco lhes importava.

A única coisa que sabiam é que o amor agora não estava mais acompanhado da dor. Para eles, que já tinham morrido em vida e depois renascido na alegria, isso já lhes bastava.

segunda-feira, julho 24, 2006

AINDA NOS FRAGMENTOS DA REALIDADE...

Terceiro ato – o improviso do sorriso.

E foi assim sem nenhum planejar que o sorriso surgiu na face dos dois. E foi neste encontro. Encontro tão claro e diferente que tornou qualquer sensação de atraso inaparente. Ainda não se sabe se tal encontro se deu neste mundo ou em alguma realidade paralela. Mas isso já não mais importava, eles haviam se achado, não importa nem aonde nem como, mas era como o final de um longo inverno de muito estrago.

Eles já tinham desistido de querer compreender. Só queriam sentir a vida a pulsar nos seus corações. Foi tanta dor que ambos sentiram que o simples fato de terem a alegria pulsando nas suas veias já bastava para eles.

Nem precisa ter outro amor. Diziam um pouco imprecisos, com medo de junto com amor, aquela grande dor os visitar novamente.

Era certo que ambos precisavam de algo ou alguém para acalentar a ausência e a carência de seus corações. E por isso se acostumaram a olhar para o lado para espiar possíveis candidatos para os postos ainda vazios.

Ele encontrou a música, ela a literatura. A arte trazia para as suas vidas a compreensão da inatingível arquitetura da emoção que rondava as essências de ambos, clara e pura. Corações raros e inexperientemente caros.


Às vezes, por momentos furtivos ou até mais precisos, alguém os seduzia. Mas a sensação de torpor era sempre diferente daquela primeira vez em que apesar de jovens e imprecisos se deixaram levar por seus corações, a errar indecisos nos porões da angústia e da inadvertida solidão.



Na verdade, ainda tinham muito receio da palidez da dor. Da incerteza do amor. Do improviso do sorriso que lhes apareceu naquele encontro, com frescor. Era tanto sentimento ainda escondido dentro do interior que precisariam de muitos encontros fortuitos como esse para dar vazão a toda aquela inexatidão do sentir do amor.

Deixaram de pensar nisso. Isso já haviam aprendido. Certamente não era o pensamento racional que lhes daria a resposta para aquela pergunta sempre altiva e constante. Como acontecera tudo aquilo, como tinham conseguido se perder por tanto tempo e depois terem se encontrado novamente sem nem mesmo perceberem o seu estado solitário do não pedir e não ter.

Isso apesar de estar cravado dentro dos dois, não mais rondavam as suas mentes e exercitaram a paciência de simplesmente viver, sem ansiedade ou planejamento aparente. Deixar a vida inaugurar a emoção, sem mais querer ensaiar controle ou solução.

Certamente haviam aprendido a viver gostando das suas imperfeições e perdoando os seus próprios erros. Para eles esse improviso era um tesouro sem valor. Sem sorte e sem dor. Calado o seu amor, ainda a pulsar na amplidão da enaltecida dor, há muito esquecida e guardada, sem nenhum pudor.

AMANHÃ ACABA...

domingo, julho 23, 2006

AINDA NOS FRAGMENTOS DA REALIDADE...

Segundo ato – o encontro

O rápido e imediato olhar dele, sem nenhum susto ou atraso, impassível, a completar o olhar dela sem nenhum enquadro possível.

A partir deste momento, continuar a andar se tornou simplesmente um passo após o outro, sem euforia ou descaso, cumprir o destino que se anuncia de percorrer um pedaço para depois iniciar outra trilha.

Caminhos puros, vazios, repletos de flores perfumadas. Não estava mais mergulhada no confronto, mas no simples encontro.

Do vazio com o infinito, do estar só, mesmo quando tudo parece urgente e aflito. De dar de cara com outra ausência, cheia de perdas, quando tu ainda carregas as tuas próprias lendas.

E novamente veio o grito, não como um corte, mas sim a indicar o prêmio vivo da paciência dele a aguardar o seu malabarismo dentro da arena do riso e da sorte.

CONTINUA...

quinta-feira, julho 20, 2006

FRAGMENTOS DA REALIDADE...

Primeiro Ato - o confronto

Ela só queria andar sem destino. Sem ocupar-se com pensamentos ou desatinos. Simplesmente andar. Movimentar as pernas rumo ao infinito como se assim pudesse chegar ao ponto inativo do seu desejo. Do seu sentido. Mas ao andar indefinidamente veio novamente o suspiro. Suspiro descontente de quem ainda não encontrou o seu indefinido estar sem tino. Foi aí que parou.

As pernas bambearam como se atrasadas a captar a sua vontade, os braços se ergueram como se tontos e inexpressivos pudessem dar o tom do medo, mas foi a boca, com seus dentes, saliva e língua que comandaram o show do corpo contra a mente. O grito.

Um grito forte, insuspeito como um corte. Entre o agudo e o aflito. Sem conseguir se definir, sem sorte. Assim, sozinho, o grito foi capaz de debelar a sua ironia contra a morte.

Continuou a andar, mas sem a mesma teimosia. As pernas agora já não mais lhe obedeciam, eram autônomas, sozinhas, pequenas ladainhas do seu eterno murmurar intermitente. Os pés, que antes pareciam nem existir, também fizeram um ato de rebeldia, ensaiaram uma dança - o que a lembrou o tom rubro dos sapatos de um conto, perdido nas memórias da infância.

As mãos pareciam serem as únicas que junto com ela, tentavam lutar contra todo esse improviso. Seus movimentos eram inquietos, como se a dar o comando para os braços, ombros e tronco da sua necessidade incompleta; da veracidade da entrega.

Foi uma luta árdua, nem saberia precisar quanto tempo durou. Mas foi o seu resultado que mais a marcou. Ninguém ganhou. O corpo foi vencido pelo cansaço e a sua vontade pelo acaso, quando vislumbrou fora do campo de batalha, a medalha que a chamava.

AMANHÃ CONTINUA...

quarta-feira, julho 19, 2006

ÚLTIMO ATO DOS FRAGMENTOS DA DOR... TÁ QUASE NO FINAL...

Terceiro ato – A dor dele junto com a não dor dela

Como esta era a primeira vez que a dor dela não estava lá e que a dor dele pôde ser sentida, a história agora vai ser contada por estes personagens. A dor dele e a não dor dela. Ambas de mãos dadas e aflitas.

A dor dela fora embora naquele dia da música, mesmo. Nem ela, a dor, tinha entendido o que aconteceu. Ela estava há tanto tempo com ela que já tinha se acostumado, por isso quando foi expulsa do coração dela, ficou perdida, sem procura nem achado.

A dor dele estava muito submersa. Ele se sentia tão mal pela dor dela, que sempre que ela aparecia, guardava a sua própria dor no bolso. Nunca podia deixá-la à vontade e por isso ela nunca tinha sido notada. Mas tudo bem pensava a dor dele, ela era tímida mesmo, nem precisava ser vista.

Portanto, naquele dia a dor dela sabia que estaria ausente e soube disso desde o primeiro instante, mesmo quando ela disse em voz alta para o seu coração se acostumar com esta falta. Ela ainda tem medo que eu volte, disse a dor dela baixinho, ela ainda não entendeu que eu praticamente já morri, será que acredita em reencarnação de dor, perguntou para si mesma, quando ouviu a voz dela em desatino.

Já a dor dele, quando ouviu ele marcar o encontro, sabia que desta vez não se contentaria com nenhum bolso. Não existe mais bolso que me caiba, pensava, com a mão na cabeça, pedindo para que ele a deixasse um pouco solta.

Quando a dor dele percebeu que ele estava na mesma situação de sempre, esperando por ela, viu que naquele dia não tinha mesmo como voltar para casa sem se mostrar. Mas o que lhe deu a certeza de ser vista, foi quando ela, apesar do caminhar hesitante que ele tanto gostava veio sorrindo, como há muito ele não esperava.

O filme passou e a dor dele se segurou para não chorar, afinal o que ela ia pensar. Já a dor dela que estava longe não se importou de deixar derramar uma lágrima quando a filha do poeta disse da morte do amor, como ela era uma dor quase morta, não se deixou impressionar e soltou de si a água que há tanto tempo não escutava rolar.

No bar, a dor dele teve certeza que a dor dela tinha mesmo ido embora. Nenhuma sombra no seu olhar, nenhuma ruga, nenhuma vontade de interpretar o que ele dizia, nada, nenhum vestígio. Sentiu-se bem e se pôs a falar. Há tanto a dor dele não falava que ficou até sem ar. Começou falando de uma dor de infância, grande e invulgar. Ele percebeu quando a não dor dela reconheceu a dor dele e a cumprimentou. A dor dele ficou tão emocionada que quase chorou, mas isso também não podia, pensou. Uma coisa é se mostrar a outra é molhar a todos sem avisar.

Quando ele percebeu que não tinha mais como evitar, guardou a sua dor. A dor dele novamente dentro do bolso. A dor dela longe como deste o início do encontro. Certamente, estas dores ainda iam se encontrar. Nem que fossem apenas para simplesmente se consolarem. Isto era certo e pronto.

AMANHÃ CONTINUA COM OS FRAGMENTOS DA REALIDADE...

terça-feira, julho 18, 2006

AINDA NOS FRAGMENTOS DA DOR...

Segundo ato – A não dor dela

Ele chegou cedo. Era sempre assim quando marcavam um encontro. Ele a esperava, às vezes, com medo que ela não aparecesse, mas ela sempre vinha, ele pensou. Mesmo quando o último encontro havia sido doloroso. Isso sempre o deixava meio culpado, mas naquele dia, não era esse o caso.

O último encontro deles havia sido simples. Ele a tinha convidado para ir a seu show, ela foi. Ele dedicou sua música para ela, que não entendeu nada quando ele tocou uma música antiga. Foi aquela música. A música antiga e datada no repertório dele que a fez entender o quanto ambos haviam mudado após nove anos de separação.

A partir daquela música, tudo havia mesmo mudado, ele pensou. Ele nunca mais havia visto a dor dela. Olhou para o relógio, dez minutos de atraso e verificou ao redor se ela já chegara. Ainda não.

Logo ela veio. Andando sem jeito como sempre fazia, ainda mais quando estava sendo observada, sabia o quanto ela era tímida. Abraçaram-se como velhos amigos, ele percebeu que ela estava mais bonita que da última vez. Ela está sem a dor, pensou ele.

Ele disse para tomarem uma cerveja antes do cinema, ela retrucou, um café apenas e ele concordou como sempre fazia. O café, a água e o filme. Como era de costume, ela saiu no meio da sessão para ir ao banheiro. Esta era uma mania dela que ele não entendia. Lembrou-se de quando estavam juntos. Como ficava impacientemente aguardando nas portas, toda as vezes que ela ia ao banheiro. Sorriu, aquilo acabou virando uma piada deles, se lembrou meio ao acaso.

O filme já tinha acabado, então vamos tomar a cerveja, ele disse e ela simplesmente concordou. Foram falando sobre o filme. Ela disse que não entendia a facilidade do poeta em se apaixonar, ele começou a explicar para ela quando percebeu que também não entendia, ele também não era de se apaixonar fácil. Disso, ela já sabia.

Sentaram e se ele se surpreendeu com a conversa. Leve e sincera como sempre desejou que fosse entre os dois. Sem aquela sombra nos olhos dela, sem aquela vontade que ela tinha de querer interpretar as palavras dele, sem aquela ânsia e aquele sofrimento. Finalmente, aquela dor se fora, pensou ele.

Tomar consciência disso foi tão bom que ele se soltou. Falou de coisas que nunca havia dito. Suas próprias dores, seu choro, seu ritual de passagem. E percebeu quando ela se emocionou. Nunca antes tinha percebido uma emoção dela que não viesse de sua própria dor. Essa era a primeira vez.

Sorriu mais uma vez quando avistou o senhor que vendia os bichinhos de pano que a sua esposa fazia, ele sempre aparecia quando eles estavam juntos, ele pensou e disse em voz alta, ela sorriu e concordou com a cabeça. Ele perguntou se ela se lembrava de quantos ele havia dado para ela de presente, ela não sabia. Ela tinha acabado de dizer que tinha se apaixonado por uma coruja branca e ele deu para ela, uma coruja cor de rosa, com lantejoulas.

O sorriso dela foi lindo. Ele nunca a havia visto assim. Está feliz, ele pensou, sem se preocupar com a razão daquela felicidade. Talvez seja só pela ausência daquela dor pensou ele, sem nenhum alarde.


AMANHÃ... TEM MAIS...

segunda-feira, julho 17, 2006

AGORA... FRAGMENTOS DA DOR...

FRAGMENTOS DA DOR


Primeiro Ato – A dor dele


Era um encontro como outro qualquer, ela pensava. O ensaio e a dança que o antecederam foram praticamente iguais ao ritual dos encontros anteriores. Praticamente, pois apesar dos fatos serem os mesmos, das frases serem conhecidas e da dinâmica familiar, a forma dela interpretar tudo aquilo havia sido outra. Nem saberia precisar como, mas certamente era diferente. Desta vez não havia dor, ela disse em voz alta, como a obrigar o seu coração a ouvir aquelas palavras. Certamente era a primeira vez que isso acontecia.

O filme fora escolhido por ele. Um documentário sobre um poeta, retrato de uma vida marcada por várias paixões, noites interminável de boêmia e muita tristeza. Tristeza, ela pensou, ao se deparar com uma lágrima furtiva que invadia o seu rosto, quando a filha do poeta falou da dor da sua mãe – primeira das nove esposas que ele teve – ao se deparar com a morte do seu amor.

Ela rapidamente enxugou a lágrima para que ele não a percebesse. Afinal, poderia pensar outra coisa. Olhou para o lado e suspirou aliviada quando viu que os olhos dele estavam grudados na tela, não há o que se preocupar, ela pensou enquanto voltava seus olhos atentos para o filme.

A saída do cinema e aquele silêncio morto. As primeiras impressões sobre o filme e aquele mistério do que seria a noite depois daquele ponto. O vazio que ele preencheu dizendo que queria beber algo. Matar aquela sede, aquele calor, aquela fome. Pronto, tudo resolvido, ela pensou e foram ao bar ao lado.

Com certeza não seria um lugar que normalmente os agradaria: mesas na calçada, música por todos os lados, barulhos e cheiros a invadir o ambiente. O profano do sagrado. Mas para aquele primeiro encontro sem dor, era o lugar perfeito. Este era o pensamento dela quando se sentaram.

Pediram uma cerveja e meio aleatoriamente iniciaram a conversa. Tudo o que se passava na mente dela, as suspeitas, os temores e principalmente as incertezas se foram ao longo do tempo. A conversa fluiu séria depois com risadas, humana, sincera e ainda assim sem dor alguma. Era como se tivessem se conhecido novamente. Ele dizia coisas que ela desconhecia sobre a sua família, sua música, sua vida.

Ela reconheceu o momento da dor dele quando ele lhe contou a decepção na infância. Ela quis chorar. Mas não era pela sua própria dor como das outras vezes, desta, as lágrimas queriam sair pela dor dele.

Foi somente aí que ela percebeu que além daquele ser o primeiro encontro deles sem a sua dor, era também a primeira vez que ela percebia a dor dele. Dor ausente. Dor de se sentir desprotegido e inseguro no seu próprio ambiente. E percebeu também o quanto o compreendia. Como nunca havia feito. Ele era para ela um mistério desvendado. Lindo mistério colado ao seu coração alado.

Ela sorriu para a dor dele, disse muito prazer, quero te conhecer melhor. Ele nem percebeu, mas a sua dor sim, sentiu quando ela retribuiu o sorriso e murmurou, obrigada por me notar, estou a tanto tempo aqui e nunca ninguém me dirigiu um olhar.

Ela, educada que era, ficou satisfeita com a aproximação e entendeu que no momento que matou a sua dor é que pode vislumbrar a dor do outro. Tímida, calada e emotiva. Dor simples e sem saída. Mas a única a ser compreendida pelo seu amor. Amor de partida.

CONTINUA...

domingo, julho 16, 2006

ÚLTIMO ATO DOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELA... AMANHÃ CONTINUA...

AINDA NOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELA....

Quinto ato – A alegria


Só queria alegria. Já havia passado muito tempo desde que ele passou a não compreendê-la e pouco que ela tinha passado a entendê-lo. Não queria mais saber de tristezas. Deixou-as de lado, embaixo ou em qualquer outro canto. Já sabia que as lágrimas e o aperto não mais lhe davam encanto. Preferia os dentes brancos, amarelos e sinceros a estampar na face o enlace da vida com o manto da simples euforia, sem pranto.

Por ser um tempo feliz, até a chuva se emendou e deixou o sol a florir como se a possibilitar que a sua luz pudesse filtrar raios multicoloridos, azuis, amarelos, roxos, todos muitos vivos. As pequenas plantas verdes ao redor das árvores também pareciam matar a sede com a água que muitas vezes desabou do céu. É a chuva que deixa a cidade molhada e a alegria bem instalada, ela pensava absorta em sua própria felicidade.

Mas para ter chuva é preciso que caiam as lágrimas. É mesmo, pensou desarvorada, mas não precisam ser lágrimas de tristeza, também se chora de alegria, lembrou-se naquela noite fria. Foi por isso que sem nenhuma nostalgia deixou que as lágrimas rolassem na sua face para a terra seca da magia.

Foi só aí que entendeu que para se ter alegria é preciso chuva, para se ter chuva é preciso água e para se ter água é preciso lágrima e para ser ter lágrima é preciso alegria. Era uma ciranda que rimava sem nenhuma idiossincrasia. Ciranda de palavras redondas e fartas repletas de mágoas vivas.

Percebeu que a alegria, assim como a tristeza era apenas uma face da sua nuvem fria e deixou que ela ficasse soando solta sem nenhuma pressão ou necessidade. A alegria teria que ser natural pensou com a voz da monotonia. Mas não se prendeu a isso, afinal para se ter alegria é preciso ser livre, lembrou sem certeza ou sabedoria, apenas com a ponta do cabelo enrolado nas mãos, como fazia quando ainda era criança. Era só isso que sabia.

CONTINUA...

sábado, julho 15, 2006

Continuando a história... O começo está na publicação de 08/07...

AINDA NOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELA...

Quarto ato – o despertar

Um dia ela realmente acordou. Foi um dia muito tempo depois que ele deixou de compreendê-la. Não foi um dia qualquer nem tampouco um despertar comum. Até então, quando da cama se levantava, ela sentia deixar – não saberia se o seu corpo, a sua sombra ou apenas um esboço – ainda a rolar indefinidamente no curto espaço do colchão a roçar contra o estrado, eterno ir e voltar.

Mas nesse dia foi diferente. Ao abrir os olhos, teve o vislumbre da pintura do sonho que se apropriou da sua noite e imediatamente sentiu que algo havia mudado. Permaneceu na cama, como gostava de fazer, como um gato a demorar-se para realmente acordar. Leu algo bem ao acaso, sem importar ou preocupar-se com o tempo e o vento que insistiam em soar.

Foi somente depois que ela percebeu o quanto aquele despertar era único. Ao levantar-se, compreendeu que havia trazido consigo – aquilo que sem muita precisão tinha ciência que não a acompanhava. Sentir esta parte estranha e ao mesmo tempo tão sua, tão particular se incorporar à sua forma, simulacro de encanto e recanto, a procurar incansavelmente o seu canto, trouxe-lhe uma nova emoção na alma.

Somente neste dia entendeu quanto tempo havia perdido dormindo. Pois nem sonhos bonitos, nem pinturas agradáveis ocuparam aquele tempo de profunda letargia, sonolência tardia e acordou com gosto de encontro na boca. Encontro com o indefinível, com o impreciso e com o que ainda nem idealizo, pensou ela. Encontro com o ar, a água, o vento, o silêncio e as palavras. Estas ainda tão tímidas e sinceras que apenas ensaiam a primavera de poderem brotar. No entanto, ela sabia que aquele encontro tinha a ver com aquele esboço que naquele dia resolveu se levantar e a acompanhar.

Na primeira metade do dia, a surpresa misturada à incompreensão dos seus sentimentos, a levaram pensar em voltar para cama e nela permanecer o dia inteiro. Sem ter que pensar, definir, nem decidir nada, com o pensamento apenas focado em descansar. Deixar o corpo solto e a mente vazia a emendar a fantasia do ser e estar. Deitou-se.

A dor no corpo e a inconstância dos pensamentos, a cada momento a inaugurarem novos sentimentos fez impossível à permanência inerte. Aí, levantou-se novamente, já um pouco acostumada com a sua nova parte a lhe acompanhar e foi tomar banho, ver se a água conseguia tornar seus pensamentos mais claros, mais limpos, menos raros.

Ao sair, olhou fundo no espelho e aí entendeu que o gosto do encontro no despertar era exatamente aquele, o confronto da sua imagem refletida com a sua forma, ainda tão indefinida, tão imprecisa, tão diluída na paisagem que a seguia, serena e vazia, cheia apenas da verde poesia do beijar em demasia, sem encontrar o calor que cala o corpo na alma que o silencia.

A partir daí, a confusão foi embora e o que a sucedeu foi mesmo o medo. Mas que medo, lhe dizia aquele corpo, aquela sombra, aquele esboço descansado por muito tempo ter permanecido deitado, sonhando, enquanto ela simplesmente tentava viver.

A resposta veio rápida como uma flecha a acertar de forma certeira o alvo rarefeito, medo da covardia, disse em voz alta, como se assim pudesse responder também para a sua recorrente paralisia, ainda tão firme e forte, tentando encontrar a sorte na sua imagem de solução e morte.

Depois, sentou-se na cadeira em que costumava tomar café e ler jornal, só que desta vez, o seu único acompanhante era o seu próprio esboço que junto ao seu medo, tentavam compreenderem o espaço e o tempo da sua aparente agonia, transformada em desejo ou alegoria, tentando entender o que nem mesmo ela sabia.

A outra metade do dia passou sem que ela percebesse. Só notou quando começou a anoitecer. Mas a única mudança no seu sentir era com relação à luminosidade do sol que passou a ser primeiro das estrelas e depois da lua, o tempo interno parecia parado, ainda impreciso, afinal para quem havia passado vários anos dormindo, o tempo é mesmo relativo, pensou.

Foi apenas quando a lua despontou no céu com todo o seu esplendor que ela percebeu que se reaproximava a hora de deitar-se novamente, dormir. Todos os sentimentos foram comandados por esta imensa vontade de esquecer tudo e só deixar o corpo soltar as amarras sobre o colchão, ainda a ranger sob o estrado velho de madeira.

Num repente, a sensação daquela sua outra parte se foi, ainda não saberia dizer se era feita pelo seu corpo, sua sombra ou seu esboço, mas isso não mais importava. Aquilo que ela ainda não sabia ao certo o que era, a havia abandonado indefinidamente e apesar do alívio, deixou saudade, como um curativo que depois de muito ficar para curar a ferida, deixa a pele branca e sensível a sentir a sua ausência furtiva.

Cumprir o ritual noturno com a consciência da falta que trazia, escovar os dentes, pegar um copo de água para matar a sede dos seus sonhos, recolher os livros que lhe fariam companhia naquela noite, escolher versos, trechos ao acaso, não se importar em terminar de ler nenhum deles, deixar todos apenas iniciados para dar a impressão da continuidade da existência, da eternidade das experiências e principalmente da presença da ausência, foi mais difícil do que ela havia imaginado.

Ao deitar-se naquela noite, sentiu dentro do seu peito uma dor tão pungente como se uma faca muito fina e fria o tivesse atravessado sem nenhuma cerimônia, nem parcimônia, apenas com a ânsia da vibrante fantasia. Num repente, a dor se foi, o sangue se acaso pingou ficou pálido, transparente como se a dar a impressão de ausente. A sonolência aos poucos invadiu seu ser afetou primeiro seu sentido e somente depois o seu pensamento. Em pouco tempo, a sensação do descansar a invadiu como se fosse um exército inimigo, sem complacência ou inocência. Invasão sem nenhuma razão ou satisfação. Invasão certamente sem solução. Do dormir para aguardar o novo despertar - sem dor, nem partes escondidas -vazio de acompanhantes secretos, e com a vida não vivida. Despertar cheio de carícias e recorrente nostalgia daquela parte ausente que para sempre havia se perdido dela naquele dia.

Manhã seguinte. Ainda não saberia dizer muito bem o que sentia. Não podia precisar se era desejo reprimido ou raiva ressentida do seu olhar míope e sem vida. Contentava-se com o fato de não entender nada e assim permanecer equilibrada para sentir as ondas e as marolas da virada. Mas o que não aceitava é a incapacidade de vislumbrar o erro. Sabia também que isso era apego. Ressentia e emendava. Sentia-se vazia do medo. Ele que sempre a visitava por longas noites e dias, parecia ter viajado para terras distantes, sem data certa de retornar à sua vida. Ficar sem ele dói, pensou ela. Mas era uma dor estranha, quase como uma rede plana. Com ele se foi também o sono. A noite pareceu um eterno desengano. Esta especialmente chorou muito. A água e o vento foram suas constantes nuances.

Mas o pior é que chovia dentro dela. Uma chuva rala e fina. Muita fria e vazia, a trazer para a sua infinita nostalgia a falta de tudo que a habitava. O seu caminhar solitário, a sua incompreensão do seu ideário, a sua incapacidade de amar sem itinerário. Restava somente a certeza de não querer mais esconder os esqueletos no armário, para que eles não apodrecessem e pudessem dançar incansavelmente nas noites do seu aquário. Já os guardei por muito tempo, pensou novamente. Estavam ainda empoeirados e sem vida. Quando os olhava, lembrava-se da primeira vez que os tinha escondido, longe do seu sentir inodoro. Era uma noite escura, mas sem chuva, a lua brilhava alta e ao dormir sentiu que a dor da morte que dentro dela se ausentava lhe era insuportável. Levantou-se, a tirou do seu coração e a colocou no fundo do seu armário, atrás de todas as roupas jogadas, como se assim pudesse esconder aquilo que no seu íntimo se acentuava. Era a dor e a morte, ambas entre si casadas.

Se esconder um esqueleto já é complicado, imagine um casamento estragado. Arrancá-lo do fundo do poço em que ele se enfiou foi como entrar em um trem desgovernado a transitar entre o futuro e o passado. Primeiro fez questão de se esquecer daquele estado. Depois desta noite de lua alta, passou anos dormindo como se nada houvesse no quarto a apodrecer. Aí recebeu a primeira mensagem, muito direta e clara, limpe o que te liberta. No início não entendeu, mas de repente, num lampejo lhe veio clara a necessidade do desapego daquela matéria amorfa e inquieta.

Colocou seu braço no escuro do móvel e somente com o tato começou a procurar o casal disforme. Quando os encontrou, percebeu que ambos estavam necrosados e sem nome. Mas não os conseguiu tirar imediatamente. Havia algo neles que os prendia àquele ambiente seco e sem dente. Foi quase uma luta arrancá-los da escuridão, mas quando finalmente eles desgrudaram, percebeu que a dor que um dia ali habitara, já inexistia. A morte a levou, como numa dança vazia, a seduzir aquela perda para sua eterna moradia.

Foi somente neste momento que percebeu que seu vício havia morrido. O vício da dor, do sentir vazio e sem frescor a emendar à sua amplidão e necessidade de torpor. Esse era o seu verdadeiro despertar, esta era a sombra que no dia anterior havia a acompanhado e depois a abandonou para sempre. E foi com a dor que o medo também se foi. Restou somente a incerteza a chorar no seu coração, como a chuva lá fora, na escuridão sem forma, a molhar indefinidamente os desejos na plataforma desenhada com a espera do nada junto com as mãos vazias e emendadas. Sabia que assim como a dor, um dia a incerteza ia se ausentar, mas seja como for, quando isso acontecer, talvez eu nem esteja mais na minha existência, posso me casar com a morte, se ela assim me orienta, pensou ainda mais uma vez antes de se deitar novamente na cama, calma e sonolenta.

quinta-feira, julho 13, 2006

Como eu disse no começo desta história... ela é formada por vários contos separados... e os escrevi sem ordem... este é um dos primeiros que escrevi... já o publiquei neste espaço... mas agora ele está em um contexto... NOS FRAMENTOS DA MEMÓRIA DELA...


Terceiro ato - o suspiro

Ela sabia que aquele suspiro significava a falta que ela sentia dele. E não era uma falta só de pele. Era falta da voz, da respiração, da sua simples presença na sua fome. Todas as vezes que ela suspirava, ele logo a abraçava por trás. Principalmente quando o suspiro escapava nas manhãs ao despertar.

Aquela era uma mania antiga. A primeira coisa que ela fazia ao abrir os olhos era dar um longo e sonoro suspiro. Misto de preguiça, agradecimento e contentamento. E acabou se criando um código, o suspiro dela pedia o abraço dele, quase sempre por trás. Afinal, era sempre ele que se preocupava em abraçá-la durante toda a noite. Ela sempre virava para o lado de fora da cama e era sempre ele que dormia olhando para o interior dela. Com cuidado e a abraçando com carinho, quase como se fosse um berço a embalar seu sono tão vazio e tão sozinho.

Isso ela percebia somente agora. Lembrou que quando ele falava que a tinha abraçado a noite toda, não conseguia entender o que ele queria dizer com aquelas palavras. Mas naquele dia entendia. Naquele dia que o suspiro a deu a imensidão do vazio que sentia, entendeu perfeitamente o que ele tentara lhe dizer por tantas vezes ao comentar que tinha dormido a noite toda com ela abraçado.

Ele tinha tentado mostrar para ela o seu amor. Amor que ela simplesmente havia diminuído, pois o seu olhar não estava acostumado com tanto sentimento. Ainda eram olhos muitos imprecisos e preguiçosos naquele momento.

Mas naquele dia ela sabia que depois do suspiro não haveria abraço. Nem fita, nem laço. Nenhum presente a esperava para fora daquele embaraço. Por isso, quando veio o suspiro o que o seguiu foi um soluço. Profundo e em completo desatino. Como se a explicar para aquele suspiro que o código se rompera. Não havia mais os braços dele para o acalmar nem para dizer o quanto aquele dia seria bom.

O soluço se transformou logo em choro. Mas era um choro sentido e calmo e não ritual de sacolejos que começava no meio do seu ventre e deixava todo o seu corpo a tremer como tinha acontecido na morte do seu aniversário, era um sofrer leve e perene. Esse choro apesar de suave durou muito, tanto que nem percebeu quando adormeceu novamente. Ao acordar, os olhos não abriram com a mesma facilidade, afinal havia chorado tanto que eles estavam meio inchados, pareciam duas bolas de plástico, daquelas vermelhas e sem asco, mas com toda a dor da falta do abraço que não a embalou naquela manhã.

Pensou consigo mesma, é querido suspiro, você vai ter que se acostumar a acordar sozinho, pois essa sua choradeira me deixou até cansada. O suspiro respirou aliviado e lhe disse baixinho, fique tranqüila, logo me acostumo com a solidão, só te peço que no próximo abraço, tu possas também dormir virada para o lado dos braços, pois um dia eles se cansam de só abraçar sem serem abraçados.

Ela percebeu que uma nova lágrima inaugurava o rosto ainda inchado e respondeu, com os olhos presos no chão, fique tranqüilo suspiro, os próximos braços que te abraçarem serão tão bem-vindos que eu não somente dormirei de frente para eles como os abraçarei todas as noites sem nenhum cansaço. Ela ainda suspirou mais uma vez antes de dar o próximo passo para fora da cama. Agora sem nenhum estardalhaço. Apenas com seu solitário coração batendo forte como aço.

CONTINUA...

quarta-feira, julho 12, 2006

AINDA NOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELA...

Se quiser ver o começo da história vá até a publicação do dia 08/07...


Segundo ato – a morte no seu aniversário.

Foi com seu recorrente pessimismo que ela recebeu a incompreensão dele. Sabia que isso aconteceria, repetia sem parar para o seu coração e era já por vislumbrar esta perda que simplesmente não queria amá-lo. Mas já era tarde demais para isso. Pensava aflita que precisava voltar a ser a mesma de antes, com a mesma aparente distância e a inexistente frieza latente que ela ainda insistiu em achar que era a sua marca patente. Ela achava aquilo possível e não imaginava o quanto estava enganada. Assim como ele, ela também não poderia voltar a ser quem era antes de tudo aquilo acontecer. Disso, ela ainda não suspeitava.

As emoções que sucederam foram tão fortes para o seu coração acostumado com a solidão que ela sentiu a morte atravessá-lo bem na noite do seu aniversário. Eles já não estavam mais juntos, mas fazia pouco tempo, tão pouco que haviam se separado que ela ainda não tinha se acostumado. Ainda mais porque ele queria fazer uma festa surpresa para ela. E a surpresa realmente aconteceu.

Ele foi e saiu cedo para ir para outra festa. Aquilo para ela era o fim. Nem saberia explicar com a razão o que a moveu naquele momento, foi somente sentir aquela dor profunda no seu peito a lhe dizer que tudo estava mesmo acabado. A dor era tanta que o corpo dela não agüentou. Nunca tinha chorado daquela maneira até aquele momento e nunca mais o faria. Era como se fosse um monstro se agitando e urrando dentro do seu ventre. Uma dor fina e compulsiva a mostrar os dentes como um cachorro raivoso e abandonado. Ele não conseguiu presenciar aquela dor. Doía também muito para ele. Chamou a grande amiga dela para consolá-la enquanto saía de forma rápida, decidida e furtiva. Saída sem plano de emergência nem guarida. Apenas com a urgência de desejar e querer recomeçar a sua vida, sem a falsa frieza dela. Era só isso que ele queria.



Ela dormiu de tanto chorar e nem viu a festa acabar. A grande amiga que dormiu com ela disse que todos foram embora ao ouvir seu choro, sem suor nem vela a soar no apartamento como um canto desesperado, um estandarte da ausência dele a gritar bem no meio do seu coração apertado.

Ele ainda tentou contornar a situação. Mas não havia mais remendos, pensava o coração dela, tão ausente e moribundo que não conseguia deixar de chorar em qualquer lugar, na frente de qualquer pessoa. Experimentou a morte bem quando comemorava mais um ano de vida. Disso ela nunca mais se esqueceria. Era um marco na sua caminhada. Tanto que demoraram alguns anos para que de novo conseguisse comemorar na sua casa, com seus amigos a data que tanto esperava, assim, da forma que mais gostava.

Essa memória foi sendo substituída por outras. Começou a procurar fatos felizes para marcar aquela data. Fatos que a pudessem fazer esquecer dos urros e do dormir de cansaço sem perceber, como fizera naquela noite em que conheceu a morte pela primeira vez.

Mas foi somente o tempo capaz de tornar aquela memória cheia de poeira e vento, deixar aquela história quase como uma simples imaginação do seu pensamento. Tão distante que tempos depois chegaria a duvidar da sua real existência, mas a pontada no seu ventre não a deixava cometer essa loucura, não a deixava esquecer daquela experiência. Afinal depois daquele choro, é que seu coração havia realmente vivido, disso tinha a certeza.

terça-feira, julho 11, 2006

AGORA... FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELA

Para quem está entrando agora... estou publicando uma história com vários contos... para ler do início vá até a postagem do dia 08/07, aonde tudo começa... depois é só ir lendo até chegar na memória dela... amanhã continua... ainda nos fragmentos da memória dela...


FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELA

Primeiro ato – degelo do coração.

O que sempre a intrigava era donde tinha vindo todo aquele sentimento. Lembrava-se da primeira vez que o viu. Achou-o bonito. Bem bonito para dizer a verdade. Mas a música estava alta demais e talvez ela também estivesse. Gostou muito de beijá-lo a noite toda. Mas foi só.

Surpreendeu-se quando o viu na faculdade. A voz quase não saiu quando ele chegou para conversar com ela. Parecia que se conheciam há anos e não que tinham se beijado apenas uma noite meses atrás, pensava ela. Talvez por isso eles tivessem demorado tanto para tocar no assunto do beijo de novo. Um mês inteiro encontrando-se praticamente todos os dias. Isso ele fazia questão. Quando os intervalos dos seus cursos não combinavam, era sempre ele que permanecia, aguardando-a furtivo para tomar um café, que naquele tempo, ela simplesmente não sabia que gostava.

Ele sempre se tornava presente. Primeiro só no ambiente da faculdade. Até que ele começou a ir aos lugares que ela freqüentava. Era tanto sentimento ausente em seu próprio coração que ela se acostumou àquela presença tão divertida e engraçada a desembaraçar a sua já tão cansada emoção de não ser nem sentir nada.

Daí para o namoro foi um pulo. Ao menos para ela. E ela simplesmente passou a entender tudo menos ainda quando ele simplesmente deixou de compreendê-la. Ficou triste, ficou brava, ficou louca até que se percebeu amar sem ser amada. Isso só foi o início de sua dor. Depois teve que encarar seu orgulho cego. Naquele ponto, disso ela nem suspeitava.

CONTINUA...

segunda-feira, julho 10, 2006

AINDA NOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELE...

Terceiro ato – A morte em vida


Quando ele deixou de compreendê-la foi como se a melhor parte dele também o tivesse abandonado. Isso ele não entendia, afinal ela era tão dura. Como ela poderia lhe trazer a parte que mais o acalentava ? A incompreensão foi ficando a cada dia maior.

E quando a incompreensão dá lugar a um amor a dor é uma presença constante. Tão clara e uniforme que ele se sentiu morrer em vida e assim nem tinha mais a morte a lhe dar a saída daquele drama. Isso quase o enlouqueceu.

Passou a não conseguir sentir a dor que dia a dia invadiu o seu coração. Queria voltar a ser aquele antes de tê-la conhecido, mas isso já não podia mais. Ela o tinha enredado de tal modo, o tinha seduzido com o seu sorriso cativante que ele já não poderia voltar a ser o mesmo de antes. Isso era para ele impossível. Ele simplesmente sabia.

Foi aí que se iniciou o pior e o melhor do que podia entre eles acontecer. Momentos raros e fartos de extrema felicidade quando um cedia ao orgulho e a vontade de procurar o outro, nem que fosse para sentir furtivamente no corpo a emoção de estarem juntos mais uma vez, numa simples tarde.

A dinâmica era sempre a mesma. Só trocavam os personagens, quando ele aparecia meigo e sensível ela se tornava a que tinha o coração de aço. E quando era ela que se rendia aos encantos e cantos dele, ele lembrava de todo o embaraço, seja com a presença ou a ausência da primavera, não importava, as flores eram sempre secas e nunca belas. Era uma dança sem fim, pensavam amaldiçoados e aflitos, depois de cada encontro para ambos dolorido.





Quarto ato – a ressurreição.


Ele ainda não saberia precisar como aconteceu. Na realidade, nem saberia ter certeza se tinha acontecido mesmo. Mas também deixou de tentar entender. Só de não sentir mais aquela dor, aquela ausência da sua melhor parte que parecia o ter abandonado quando deixou de compreendê-la, ele já se sentia novamente vivo. Algo o dizia que era apenas o tempo que tinha tornado possível o aparente esquecimento.


Depois que você morre em vida, se sentir vivo é o melhor antídoto para qualquer vício. Mesmo que seja o vício de morrer um pouco por dia. O problema é lidar com aquela imagem que iniciou todo aquele processo. Isso ele nem pensava quando a viu, sem querer, muitos anos depois, no local que ia trabalhar.


Aquela sensação foi tão difícil e alegre. Primeiro avistou a grande amiga dela que ele muito gostava. Tinha sido ela que ele tinha chamado para consolá-la quando a morte a visitou em seu pleno aniversário. Disse oi e logo perguntou dela. A amiga respondeu que como sempre, ela estava no banheiro. Ele riu e se lembrou daquele seu velho hábito.


Quando seus olhares se confrontaram ele sentiu o nervosismo dela. Como sempre, foi aberto e franco, apesar de já ter criado uma rede de proteção contra os solavancos. Disse o quanto tinha saudades dela. Confessou que andava nas ruas do centro a pensar em encontrá-la, mas nunca imaginou que o encontro se daria daquela forma. Trocaram telefones. Mas o medo e a felicidade pareciam os mesmos dos encontros anteriores. E ele resistiu e pensou no quanto estava vivo. Isso certamente era o que mais o enternecia e agradava. Ao menos, naquele momento, ele não precisava mais de nada. Ainda estava recomeçando a viver sem a fome que para ele, ela ainda representava.




Quinto ato – a vida novamente

Sabia o quanto tinha mudado desde o momento em que a havia visto pela primeira vez. E novamente conseguia sentir prazer na simples euforia de viver. Isso certamente era novo para ele. E ela entendia. Desta vez era ela quem o compreendia sem nenhum esforço. Exatamente como a ele tinha entendido quando se conheceram.

Mas ele ainda tinha outras dores. Dores que não tinham relação direta com ela. Sensações tão desconfortáveis que nunca deixou que ela as percebesse. Por isso, sentir a vida novamente era o que mais gostava e também o que mais o assustava.

Começou a procurar o contato simples e sincero. Reconheceu nos olhos dela aquela que um dia ele já tinha amado. Soube que ela queria aprender a cantar. Ele sempre lhe dizia isso no passado e ela nunca tinha mostrado a vontade de aventurar sua voz na arena do acaso. Mas agora ela queria. Ficou feliz por perceber que estava vivendo novamente, assim como ela, ambos sobreviventes do amor que lhes tinha dado primeiro a morte, para depois presenteá-los com uma nova vida. Vida sem saída e com muita energia.

CONTINUA NOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELA...

domingo, julho 09, 2006

CONTINUANDO...

...AINDA NOS FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELE...


Segundo ato – Alternativas incorretas.

Essa era uma história que ele sempre se lembrava. Não saberia precisar se era porque a admirava ou a odiava. Às vezes estes dois sentimentos tão ambíguos e extremos se misturavam de tal forma em seu coração, que ele nem tinha entendimento, muito menos razão.

Toda semana havia um dia que ela saia mais cedo da faculdade. Geralmente era sempre o mesmo. Muitas vezes ela voltava. Outras não. Aquilo foi intrigando ele pouco a pouco. Bem quando começou a deixar de entendê-la, ele a confrontou. Perguntou – de forma franca e direta, sem jogos ou rodeios - o que ela fazia naqueles dias em que saía mais cedo. Demonstrou fartamente o seu ciúme e a sua incapacidade de lidar com as perdas. Ele já tinha tido tantas, mas isso ela ainda não sabia.

Ela riu e não resistiu à brincadeira. Talvez porque quisesse tornar aquele momento mais leve, talvez porque aquele tom jocoso pudesse atenuar a dificuldade que tinha de expressar seus sentimentos. Ou mesmo talvez – e esse era sempre o talvez mais dolorido e o mais freqüente nos pensamentos dele – ela o achasse banal, sem capacidade de entender a complexidade das suas emoções. O talvez que ele nunca pensou é que nem ela saberia compreendê-las naquele momento. Esse possivelmente era o talvez mais verdadeiro de todos e para ele era apenas um pensar inexistente.

O fato é que ela sorriu e disse para ele que o motivo de suas ausências era um jogo de tênis.
Escolheu um jogo que realmente não combinava com ela, ele pensou. Uma bolinha a ir eternamente de um lado para outro da quadra.

Mesmo achando um pouco estranho, a sua franqueza o impediu de reconhecer a brincadeira. Ele suspirou aliviado por perceber que não havia outra pessoa no jogo. Era simplesmente uma bola.

Foi somente quando ela desatou a rir e confessou a molecagem que ele ficou com todas as alternativas possivelmente corretas a lhe explicar a razão do humor dela diante da possível visita da dor no coração sensível dele. Foi o início da incompreensão dele.

Mas foi conforme a sua incompreensão foi crescendo que a mais incorreta e provável das alternativas foi se tornando a única possível. Ela o achava banal. Era mesmo só um jogo, pensou afinal.

CONTINUA...

sábado, julho 08, 2006

Sumi... acho que não tinha muito a dizer... às vezes me sinto assim... vazia como uma pipa colorida... hoje resolvi publicar um conjunto de contos que pode ser visto como um único ... vou colocar um por vez... para manter o suspense... espero que gostem...


O AMOR EM ALGUNS ATOS


Esta não é uma história linear. O seu próprio olhar poderá refletir o que dela você gostará de definir. Os personagens podem ser muitos ou apenas dois, depende apenas do que você desejar. Os fragmentos podem ser considerados meros elementos do contexto dos fatos. Fatos nunca acontecidos e outros raros. Pode ser um romance. Pode ser só uma perda. Veja e perceba do jeito que melhor te parece. Não entenda, simplesmente leia sem nenhuma reprimenda.

Talvez você se reconheça em alguma das situações descritas. Talvez você chore. Talvez você simplesmente desista. Só não esqueça nunca que a vida é aquela que você escolheu escrever. Seja com sangue. Seja com tinta.

FRAGMENTOS DA MEMÓRIA DELE


Primeiro Ato – a alegria da descoberta.

Era final de ano. Ele nunca se esqueceu da primeira vez que a viu. Nunca tinha ido àquele bar. Uns amigos o convidaram e ele se aventurou a conhecer o diferente. Olhou para ela logo que chegou. Depois conseguiu uma mesa e a chamou para que sentasse com ele. A música estava alta, mas conseguiu conversar um pouco. Bem pouco. Logo se beijaram. E os beijos continuaram por toda noite. Foi só.

Ano seguinte, por sorte ou azar – nunca saberia dizer ao certo – reencontrou-a no novo local de estudo. Passaram um mês conversando sem nunca tocarem no assunto do beijo. Ela era tímida. Ele também não sabia ao certo como se comunicar com ela. Foi numa festa na faculdade que eles novamente se beijaram. O beijo dos dois era como um afogamento em um abraço. Eles se esqueciam um nos braços do outro, até que um se lembrava do afago. Para sair do beijo e ir para a palavra foi necessário muito trato.

Daí para o namoro, ele lutou bastante. Não deixava um só dia de vê-la, e quando a via não deixava de falar e quando falava não deixava de admirar, até que se percebeu totalmente apaixonado.

Foi nesta época que ele percebeu o quanto ela gostava de cantar. Ele já tinha aprendido a tocar violão. Ficou entusiasmado e se pôs a estudar. Anos mais tarde diria a ela que seu incentivo maior para estudar música vinha daquele momento. Das tardes que passava ensaiando uma nova canção que sabia que ela ia gostar. Mas naquela época ela nem percebia. Apenas cantava porque sabia as letras das músicas de cor. Era a sua boa memória, apenas isso, que a tornava tão musical, sempre dizia.

Sem que nenhum dos dois percebesse começaram a namorar. Só notaram depois de um tempo quando os amigos de ambos se referiam a eles como um casal. Não se importaram, afinal estavam apaixonados e tais rótulos nem eram necessários, mas também não precisavam ser desprezados, ambos pensavam. O importante era que estavam um com o outro. Isso já bastava. Pelo menos foi o que ele achou no curto espaço de tempo que estiveram juntos. Sim, não namoraram por muito tempo. Apenas cinco meses. Mas pareceria cinco anos, ele pensou algum tempo depois. Mas isso fica para mais tarde.

No início, ela não sabia muito como nem o que fazer. Aquela era a primeira vez que se apaixonava. Isso ele sabia. O seu jeito inseguro, a sua voz mansa a dar a amplidão da sensação de solidão para o seu coração tão necessitado de amor e esperança. Mas ele insistiu, afinal, adorava admirar os olhos dela e afagar as suas pequenas mãos.

Ele se declarou logo. Aberto e sincero mostrou ao coração dela – ainda inseguro e cego – o quanto a apreciava. A levou em viagens e tinha o maior prazer em ligar toda noite só para ouvir a voz dela antes de se deitar. Disso ela achava graça e emendava uma risada quando ele dizia desta necessidade para dormir tranqüilo, na calada.

Ela adorava tudo o que ele fazia, mas fazia parte da sua própria anatomia negar o coração que em si batia. Por isso, o deixava sempre inseguro, não resistia a uma piada mesmo quando sentia que o coração dele estava em apuros. Ele percebia e mesmo assim perdoava. Gostava tanto dela que não sentia necessidade de segurança. Não naquele momento.

Ela ainda não entendia aquilo muito bem e ele compreendia. Até o dia que passou a não compreender mais. Mas não saberia dizer exatamente o que aconteceu. Mesmo depois de dez anos. Nunca entendeu direito o que levou as coisas a serem daquele jeito.

CONTINUA ...